Clubhouse: tendências relacionadas (Cohen e Lopes, 2021) #case #essay
// Clubhouse: tendências relacionadas.
26-02-2021, Suzana Cohen e Clarissa Lopes.
Entenda o que está por trás da rede Clubhouse enquanto manifestação de tendência e sinal cool.
Clubhouse é uma rede social que vem sendo bastante comentada nos últimos tempos. Lançada no início de 2020, somente recentemente ganhou mais força e a curiosidade do “grande” público. O gatilho impulsionador da rede tem sido em parte conferido a Elon Musk, que fez algumas aparições e referências à rede desde 31 de janeiro deste ano. Isso conferiu publicidade e credibilidade à aplicação, que virou objeto de desejo de muitos.
Nós entramos, testamos, participamos. Passada a euforia inicial, apresentamos neste texto uma análise da rede enquanto manifestação de tendência e sinal cool.
Mas afinal o que é o Clubhouse app?
Trata-se de uma rede de áudio com streamings ao vivo, em que os usuários podem criar salas sobre temas quaisquer e mediar conversas. Seria um híbrido de um podcast com um programa de rádio ao vivo, mas com um senso colaborativo e de comunidade, no estilo das salas de “chat” do passado.
Pelo fato de só estar disponível para usuários do iPhone – e que tenham o sistema operacional iOS 13 ou superior – a rede acaba por ser restrita e, de alguma forma, elitizada. Colabora para esse sentimento o fato só se entrar na mesma por convite e que estes, por ora, ainda são escassos, gerando um sentimento de exclusividade.
A somatória dos holofotes ocasionados pela recente participação de Musk no app e esse sentimento de exclusividade, acabou por gerar o desejo, a curiosidade e a ânsia por entrar no Clubhouse antes dos “outros”. É um bom exemplo em que se pode aplicar a curva da inovação de Rogers (1962/2003) e outras teorias de difusão dos Estudos de Tendências como o modelo diamante de Vejlgaard (2008): a rede foi lançada, passou por um processo lento de adesão dos trend creators/innovators e early adopters /trendsetters e, agora, começa a se direcionar para uma “decolagem” (Rogers, 2003, p.11) com os trend followers, a caminho do mainstream (Rogers, 2003) ou maioria adiantada (Vejlgaard, 2008). No entanto, a rede, apesar de estar muito em voga, ainda é limitada àqueles que têm o dispositivo da Apple e que estejam abertos para experimentarem uma nova aplicação. Tem-se a sensação de que o impulso inicial de adesões de usuários do iPhone deu uma desacelerada: quem queria entrar na rede já entrou e os convites começam a sobrar.
Para além do sentimento de novidade e exclusividade que a rede carrega, o Clubhouse tem um caráter relativamente inovador, ao ser um contraponto em meio a tantas redes pautadas em imagens; e, ao promover o streaming ao vivo, em contraste com a massificação do conteúdo on demand. No entanto, a rede também tem características já bem conhecidas, e traz consigo uma estranha familiaridade com meios do passado.
Clubhouse enquanto manifestação de tendência
O Clubhouse pode ser categorizado como uma manifestação de tendências, uma vez que tangibiliza narrativas estruturadas no contexto contemporâneo. No relatório “Tendências Socioculturais: Um Mapa de Macro e Micro Tendências 2020”, mencionamos a macro tendência “Narrativas Ancoradas”, a qual diz respeito a criação de narrativas relacionadas aos espaços, promovendo o estabelecimento de comunidades por meio do reconhecimento e da identificação na relação entre coletivo e individual. O Clubhouse, enquanto espaço das novas geografias virtuais, estabelecidas pelas tecnologias digitais, permite a criação de comunidades de interesse, as quais performam suas identidades por meio da fala e do debate.
Nas Narrativas Ancoradas, o conceito do Clubhouse associa-se à micro tendência “Arquipélagos Urbanos e Digitais”, que versa a respeito das interações globais digitais as quais, na nova rede, são proporcionadas por “ilhas” temáticas que formam “arquipélagos” conectados por interesses e identidades performadas nas redes e fora delas. É a cauda longa (Anderson, 2006) das salas de “chat”. A rede é altamente segmentada e centrada no usuário, que tem uma experiência única e ajustada para atender aos seus interesses individuais.
Neste contexto, a macro tendência “Identidades Protagonistas” também está relacionada com a rede. Trata-se de uma aplicação em que todos podem ter voz. O coletivo, o debate e as identidades individuais, a recusa de rótulos, a liquidez, são características desta tendência que podem ser reconhecidas no Clubhouse. O auto-reconhecimento e a auto-expressão transparecem com certa força. Um aspecto interessante da rede para os profissionais de tendências é que o Clubhouse oferece a oportunidade para se ouvir, “sem filtros”, opiniões de usuários de diferentes perfis e grupos sociais. Pelo fato de a rede ser fundamentada no áudio, na fala, há a impressão de que os usuários soltam-se mais ao falarem. Tem-se a impressão que os usuários do Clubhouse falam na rede o “que não diriam nem ao próprio analista”. É quase um fenômeno psicanalítico, uma espécie de divã colaborativo virtual. Enquanto o pseudo-anonimato colabora com o fenômeno, há também uma sensação de intimidade e comunidade, que inspira confiança. Ademais, com as características Cauda Longa que a rede tem, há uma grande segmentação por diferentes grupos sociais. Assim, torna-se possível captar sentimentos, opiniões, comportamentos desses diversos grupos. Os temas das salas e clubes também são um interessante termômetro qualitativo para se monitorar padrões e potenciais para compreender mentalidades presentes no espírito do tempo.
Ainda no âmbito do relatório de tendências socioculturais de 2020, destacamos a macro tendência “Ligações Ergonômicas”. Essa talvez seja a tendência relacionada com o Clubhouse mais evidente, já que a rede promove acesso instantâneo para a informação e a diversão. É o reflexo da permanente conexão – que ganha força com a pandemia da Covid-19 – para trabalhar, conversar, socializar. O Clubhouse incorpora-se à vida das pessoas de forma pervasiva, uma vez que o áudio permite o exercício de múltiplas tarefas em simultâneo. Pode-se trabalhar, cozinhar, passear o cão, ir ao supermercado ou tomar banho, enquanto se está na rede. Essa característica coloca o Clubhouse em vantagem com relação a outras redes que pautam-se em imagens e requerem um maior nível de imersão.
Como contraponto de toda essa conectividade, a aplicação relaciona-se ainda com a micro-tendência “Detox Digital”. Esta tendência aborda o paradoxo dos recursos tecnológicos usados para travar o uso excessivo de dispositivos digitais. Apesar de a rede não ter o objetivo de barrar o acesso a dispositivos tecnológicos, há nela um interessante aspeto a ser analisado. O excesso das plataformas multimidiáticas – janela para o mundo em meio à pandemia – causou uma espécie de cansaço por ter tomado novos lugares do dia a dia das pessoas. É o lugar do trabalho, da diversão, das interações sociais, do ócio, em tempo integral. As plataformas com áudio, vídeo, texto e imagem deixaram de ser utilizadas apenas para reuniões pontuais de trabalho para dar lugar ao contato de múltiplas e sequenciais reuniões, para ver amigos e interagir com a família, para socializar e consumir notícias, cultura, arte e hobbies.
O Clubhouse é um sinal que reflete uma necessidade de retornar ao básico, de resgatar a unicidade midiática para, de certo modo, “limpar os sentidos”, descansar do excesso. Também busca manter a espontaneidade e a efemeridade das conversas presenciais em eventos, festivais, cafés e mesas de bar. No Clubhouse não há edição ou pós-produção, não há roteiro, não há maquiagem, tampouco vinheta (por enquanto).
Uma outra macro tendência que pode ser articulada com a rede é “Redesenho de Estilos de Vida”. Com um ano marcado pelo cancelamento de eventos presenciais, uma solução como o Clubhouse vem para suprir de alguma forma a lacuna gerada pelos encontros presenciais. Com um sentimento de Nostalgia, que se relaciona com as salas de chat de outrora, a rede propicia uma sensação de comunidade – senso este que se perdeu no ambiente online, e também em meio à pandemia. As salas criadas no Clubhouse propiciam um contato que simula o tête-à-tête, mas com a privacidade de não se mostrar a intimidade do lar. Essa suposta privacidade proporcionada pela rede, faz com que usuários sejam mais receptivos a conhecerem pessoas inusitadas e fora de seus círculos de amizade, a fazerem networking, a conversarem em grupos de usuários com os quais não se tem tanta intimidade. É uma espécie de resgate das relações interpessoais perdidas durante a pandemia. No entanto, já começaram a ser divulgadas informações sobre a vulnerabilidade da rede, com áudios particulares vazados, o que pode alterar o sentimento de privacidade. No ambiente online nada é 100% confiável ou seguro. Afinal, ao se participar de uma rede “gratuita”, firma-se um contrato em que muitas vezes o usuário acaba por ceder seus dados.
* Verifica-se, ainda, a ocorrência de outras duas tendências socioculturais, essas do domínio da tecnologia: “O Circuito Espetacular” e “A Farsa do Novo Espaço-Tempo” (Cohen, 2020). Contudo, optamos por não entrar no mérito delas neste artigo.
Clubhouse enquanto sinal cool
Na nossa concepção a rede pode ser considerada um sinal cool pelas várias características que contém. Segundo definições do Laboratório de Gestão de Tendências e da Cultura (FLUL), o cool carrega em si seis características, a saber: 1) É relevante; 2) É viral; 3) É atual; 4) É irreverente; 5) É instigante; 6) Carrega em si uma proposta de descontinuidade.
Neste sentido, articulamos abaixo essas características com a nova rede:
» É relevante, está alinhado ao momento atual e em sintonia com as mentalidades emergentes. Tem potencial para marcar e ter impacto. Está na mídia, personalidades de peso como Elon Musk e até Vladimir Putin têm flertado com a rede.
» É viral, está gerando um buzz e uma corrida por convites. Tem um índice de contágio elevado, pelo seu caráter “inovador”, mas com raízes em conceitos velhos conhecidos, como o rádio, os podcasts, os fóruns de discussão, o Twitter em seus primórdios e o sentido de comunidade que a rede traz. O caráter inovador da rede permite a réplica/inspiração, que certamente impactará outras redes sociais existentes e aquelas vindouras. Já há notícias de que o Facebook está a analisar o modelo para incorporar mudanças.
» É atual e irreverente. Está alinhado aos tempos atuais, ao ser uma rede social para aplicação móvel e que vem ganhando destaque recentemente. Tem características de rebeldia, ao propor ser uma rede sem imagens e textos, em que todas as conversas acontecem ao vivo, sem a chance de replay. Isso em um mundo conectado pautado em conteúdo “on demand”, altamente imagético, multimidiático e textual.
» É instigante e rompe de alguma forma os padrões supramencionados vigentes.
» Como já mencionado, carrega em si uma proposta de descontinuidade, ao ser uma rede que conjuga o conteúdo majoritariamente em áudio com uma proposta de streaming ao vivo, sem a possibilidade de gravação ou escolha sob demanda. Essa proposta de descontinuidade, no entanto, pauta-se em uma repaginação de manifestações já existentes e/ou do passado, como o rádio, as salas de chat e o próprio telefone.
Não sabemos se a rede vai alcançar o mainstream, seguindo o percurso de difusão. No entanto, fica claro que trata-se de uma manifestação de tendência e um sinal cool, alinhado ao espírito do nosso tempo.
Referências:
Anderson, C. (2006). The long tail: Why the future of business is selling less of more. Hachette Books.
Cohen, S. A. M. (2020) Os Estudos de Tendências e a Tecnologia: análise de cenários e de impactos socioculturais. Tese. Doutoramento em Estudos de Cultura. Universidade de Lisboa, Lisboa.
Laboratório de Tendências e Gestão da Cultura. Disponível em www.creativecultures.letras.
Rogers, E. (2003). The diffusion of innovations. 5th ed. New York [etc.]: Free Press. (Trabalho original publicado em 1962).
Vejlgaard, H. (2008). Anatomy of a trend. New York: MCGraw-Hill.
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