Análise Cultural: Mentalidades – Astro: Um novo amigo hipermoderno. (Macedo, 2022) #case
// Análise Cultural: Mentalidades – Astro: Um novo amigo hipermoderno.
05-02-2022, Nina Santiago de Macedo (analista convidada/estudante de licenciatura).
No dia 28 de setembro de 2021 a Amazon anunciou o seu primeiro robô doméstico “Astro” através de um vídeo de lançamento. Segundo a empresa, o robô pode ser controlado à distância pelo utilizador para monitorar as atividades no espaço doméstico. O Astro foi desenhado também para proteger a privacidade dos utilizadores através de uma função de desligar microfones, câmeras e delimitar fronteiras de acesso no espaço da casa. Ele pode patrulhar o espaço automaticamente e pode notificar o utilizador em caso de algo fora do comum, mas é mais do que uma “Alexa com rodas” já que foi programado com uma srie de movimentos e expressões que lhe conferem personalidade como dois círculos na tela, que são os seus “olhos” e que possuem diferentes expressões, e funções como beatboxing e dança. Astro também pode ser customizado com acessórios como a “Furbo Dog Camera” que brinca com os animais domésticos, ou ser combinado com subscrições como “Alexa Together” que ajuda a cuidar remotamente de entes queridos idosos.
Leitura Semiótica – Para a leitura semiótica desta análise será útil o vídeo de lançamento do produto. No vídeo existem vários signos em diferentes situações que cercam o produto em questão e que ligam os seus significados em contexto ao signo Astro, gerando novos significados. Nesse sentido, a nossa leitura conotativa aborda o signo do robô que conota não só as ideias de tecnologia e inteligência artificial, mas nesse caso, da forma que foi desenhado, também conota a ideia de identidade e indivíduo. O signo que representa o seu nome “Astro” também conota futuro, inteligência e tecnologia, o que contribui para os seus significados. Aqui, ele é apresentado entre uma série de outros signos ligados ao espaço doméstico e ao cotidiano, como por exemplo membros de uma família, que conotam afeto e proximidade, ou uma churrasqueira em chamas, que conota perigo. Trata-se de um processo de significação por associação em contexto, tanto no nível denotativo quanto conotativo, e que culmina em uma nova narrativa de funcionalidade e utilidade dos robôs no mundo contemporâneo.
Leitura do ADN Cool – O que nos interessa analisar neste sinal são as práticas significantes em ação quando um produto como esse passa a ser comercializado e consumido em massa.
Relevante – é relevante porque é o primeiro robô inteligente comercializado em massa com estas características por uma empresa mainstream e instiga uma nova visão tanto sobre as noções de espaço físico/virtual e relações sociais/afetivas quanto sobre o público/massificado e o privado/pessoal.
Viral – o significado cultural por trás de Astro possui potencial de viralização justamente pelo fato de ser uma inovação desenhada para um contexto muito específico (doméstico) mas que se utiliza de tecnologias adaptáveis para qualquer setor, dependendo apenas da permissividade das mentalidades em relação a implementação em massa desse tipo de tecnologia. Entretanto, o fato em si de Astro ser um investimento da Amazon já confirma a aposta na mudança em estado avançado das mentalidades.
Atual – é atual porque, mesmo com a ideia de robôs ser antiga, o primeiro robô de massas se torna o grande lançamento de uma empresa multinacional e gera um potencial de compra real em um contexto muito específico: um mundo quase pós-pandêmico, com distanciamento social, grande dependência tecnológica e em uma situação que favorece as demandas da sociedade. Uma sociedade que dá abertura a esse produto por viver no “não-tempo” e ele permitir estar em todos os lugares ao mesmo tempo e quebrar barreiras físicas.
Irreverente – é irreverente porque propõe a ideia de convivência com um robô pessoal, inteligente e com personalidade que fará parte da cultura massificada, mas que também fará parte de cada família, conciliando a ideia de comunidade familiar com a ideia de pessoal.
Instigante – é instigante porque quebra uma barreira da Inteligência Artificial em massa. A proposta de Astro quebra moldes anteriores do que era o espaço e as relações sociais no espaço doméstico e não só. Um novo caminho de dinâmicas sociais, afetivas e tecnológicas passa a ser explorado culturalmente, refletindo o fato de que estamos mais abertos a uma linha mais tênue entre a fisicalidade e a nuvem e também a uma nova noção de privacidade no espaço pessoal e privado. Isto chama a atenção dos diferentes públicos.
Estilos de Vida – Aqui é importante sublinhar as mudanças nos estilos de vida, práticas e mentalidades, que a disponibilização de Astro reflete. Nesse sentido, o fato da Amazon, uma multinacional estabelecida, considerada hoje como uma das cinco grandes empresas de tecnologia do mundo, investir em inteligência artificial em massa, instantaneamente traz esse elemento para o centro do mainstream (uma materialização das mentalidades daquele momento). Astro é o reflexo do caminho que a sociedade está percorrendo, em direção a nenhuma fronteira entre o universo e o “metaverso”, entre o massificado e o pessoal, a uma afetividade tecnológica e uma necessidade cada vez maior de personificar máquinas que conseguem alcançar o potencial que os humanos se cobram para alcançar.
Inovação e Fórmula Cultural – Para desconstruir a fórmula cultural, o objeto de análise será o vídeo promocional utilizado para lançar o produto. O anúncio pode ser analisado como uma narrativa e começa em um ambiente doméstico e familiar com um casal e com o questionamento da utilidade de um robô. Isso mostra a antecipação da Amazon face à antiga mentalidade dos indivíduos em relação aos robôs, como esta está mudando e como o Astro contribuirá para isso. O primeiro comando dado ao Astro no vídeo é para seguir o “dono”, portanto a ideia de servir e de submissão é sublinhada logo no início. Na cena seguinte vemos uma criança em uma chamada de vídeo com a avó. A cena em si transmite a ideia de afeto e família, mas já associada ao Astro, já que ali ele é o elemento que não só conecta as duas, mas que é a manifestação física da avó a brincar com a neta mesmo de longe. Depois, nos é mostrado um utilizador confirmando, através do robô, se o fogão está desligado e garantindo a segurança da sua casa. Em seguida, Astro cuida de um idoso, coloca-se para carregar ou “dormir”, convive com animais domésticos, detecta pessoas desconhecidas e até expulsa um guaxinim intruso, sempre em direto contato com o seu dono. No fim, voltamos ao casal inicial e a mulher finalmente concorda com a presença do Astro. Todos esses elementos, nessa ordem, concedem a esse elemento de comunicação uma mistura de associações que narram os significados de submissão, proximidade, segurança, praticidade e independência associados ao Astro, a fim de não nos convencer, mas nos mostrar como a presença desse tipo de objeto é essencial e uma ausência até então no ambiente doméstico.
Insights Estratégicos – As discussões sobre a exagerada presença e dependência na tecnologia estão presentes há muito tempo, mas aqui importa considerar a individualização da sociedade nos últimos anos, intensificada pela pandemia e acompanhada de uma crescente personalização, confiança ou permissividade e dependência em relação à tecnologia, a ponto de uma empresa mainstream e massificada promover a comercialização sem precedentes desse elemento, quase personificado, precisamente para o espaço privado e pessoal. Queremos mais que um iPhone, queremos um membro da família, um amigo e companheiro de confiança, um empregado fiel e que compreenda as dinâmicas humanas para servir as nossas necessidades hipermodernas de forma pessoal, eficiente e instantânea.
Processo de análise:
Gomes, Nelson P. e William A. Cantú (2021). “Cultural Mediations Between Branding and Lifestyles: A Case Study Based Model for the Articulation of Cultural Strategies and Urban Tribes” in R. Goonetilleke et al. (eds.) Advances in Physical, Social & Occupational Ergonomics. Switzerland: Springer.
Outras referências a considerar
Gomes, N.P., C.A. Lopes, W.A. Cantú, G. Prado (2021). “Análise Estratégica de Tendências Socioculturais: uma triangulação de métodos científicos” in DAT Journal, v.6, nº1, 213-228.
Holt, D., Cameron, D. (2010): Cultural Strategy – Using Innovative Ideologies to Build Breakthrough Brands. Oxford: Oxford Press.
Dragt, E. (2018). How to Research Trends: Workbook. BIS Publishers, Amsterdam.
Rohde, C. (2011). “Serious Trendwatching”. Fontys University of Applied Sciences and Science of the Time, Tilburg.
Barthes, R. (1986). Elements of Semiology. Hill and Wand, New York.
Barthes, R.(1991). Mythologies. Noonday, New York.
Cova,B., Cova,V.(2002). “Tribal Marketing: The tribalization of society and its impact on the conduct of marketing” in Eur. J. Mark., 36(5/6), 595–620.
Lipovetsky, G, Charles, S. (2011). Os Tempos Hipermodernos. Edições 70, Lisboa.
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