Ficha Técnica e Equipa

“Materialidades das Humanidades Digitais: Tendências Socioculturais 2023”.
Copyright © 2023 Laboratório de Gestão de Tendências e da Cultura, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

Organizado por Nelson Pinheiro Gomes

Colaboradores Autorais 2023: Bianca Brito; Diego Araníbar; Diogo Bernardo; Lennon Soares; Natalia Condell; Afonso Mendes; Ana Isabel Pereira; Beatriz Henriques; Claire Haas; David Peralta; Fangyu Wang; Gabriel Gonçalves; Gabriel Marcon; João Miranda; José Pinto; Ke Chen; Lai Jiang; Madalena Parafitas; Natacha Geitoeira; Rita Dias; Shuang Qiu.

Editores (ADN e Textos das Tendências): Suzana Cohen; William Cantú; Manuel Pinto Grunfeld; Ana Marta Flores; Nelson Pinheirov; Raquel Sodré; Illa Branco; Filipa Moreira; Sarita Oliveira; Gustavo Silva.

Design por William Cantú

Organização de
Laboratório em Gestão de Tendências e da Cultura
Programa em Cultura e Comunicação e Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa
FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

Publicado digitalmente em 05-02-2024, Lisboa.
https://creativecultures.letras.ulisboa.pt/gtc/trends2023

nelsonpinheiro@campus.ul.pt

Contexto do Estudo

O quê?
Relatório de Tendências Socioculturais, com foco nas realidades de Lisboa.

Como?
Mediante uma pesquisa empírica, de campo e utilizando oito métodos diferentes.

Quem?
Estudo realizado pelos estudantes do Mestrado em Cultura e Comunicação, com o apoio  de docentes do Programa em Cultura e Comunicação e dos membros do Laboratório em Gestão de Tendências e da Cultura. Neste sentido, este é principalmente um trabalho de natureza pedagógica para desenvolver e consolidar os conhecimentos/competências dos estudantes envolvidos.

Onde?
Estudo organizado e editado pelo Laboratório de Gestão de Tendências e da Cultura, um projeto do Programa em Cultura e Comunicação e do CEAUL (Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa)Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Quando?
O processo de estudo e sistematização dos resultados teve lugar entre entre Fevereiro e Julho de 2023; Fevereiro e Agosto de 2022; Fevereiro e Maio de 2021.

Este trabalho nasce de uma experiência pedagógica de onze anos que parte da abertura, em 2012, da Pós-Graduação de Especialização em Comunicação de Tendências até ao momento atual onde a análise de tendências socioculturais tornou-se um conteúdo e tópico de investigação no âmbito do Mestrado em Cultura e Comunicação e do Doutoramento em Estudos de Cultura. A par disso, surge também da experiência de uma “escola” portuguesa em Estudos de Tendências que se começa a desenvolver em Lisboa desde 2009 e que em 2014 vê o surgimento do Trends Observer como uma rede científica que ainda hoje é uma importante referência e arquivo de base para a nossa investigação. Tudo isto, com diferentes fases e mediante vários projetos, acaba por sublinhar a cidade de Lisboa como um palco para a análise de tendências com produção científica na área. Neste contexto, surge em 2019 o Projeto/Laboratório de Gestão de Tendências e da Cultura, associado ao Programa em Cultura e Comunicação e ao CEAUL, ambos unidades da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Esta é uma articulação entre a pesquisa em desenvolvimento num contexto de centro de investigação e a formação em contexto de estudos pós-graduados.

Fruto deste contexto, e com um roteiro metodológico publicado e aceite entre os pares (aliás, parte também da experiência internacional de profissionais e especialistas), surgiu a necessidade de criar um mapa de tendências socioculturais próprio. A experiência adquirida neste processo pelos intervenientes e a existência de um corpo de docentes e jovens investigadores de doutoramento permitiu formatar o briefing para o exercício de identificação de tendências (baseado nos trabalhos de Gomes, Cohen, Cantú, Lopes, 2021; Gomes, Cohen e Flores, 2018) e trabalhar o mesmo com os estudantes do Mestrado em Cultura e Comunicação da FLUL. Este ponto é muito importante para nós. Este é um exercício científico, mas primeiro que tudo pedagógico. Os objetivos passaram também por formar estudantes de mestrado e introduzir os mesmos nesta prática de análise, revendo os resultados de aprendizagem. A par disto, os estudantes do Doutoramento em Estudos de Cultura, a desenvolver investigação em Estudos de Tendências, agiram como tutores dos mestrandos e apoiaram a orientação e o desenvolvimento da pesquisa e da análise. Não é demais sublinhar a importância de todos estes estudantes, sem os quais o estudo não teria tido lugar e que aplicaram os diferentes métodos numa análise empírica, de campo e de revisão literária. A motivação de todos foi clara e daí resulta a complexidade deste trabalho.

Noutra nota que importa sublinhar, fruto dos projetos anteriormente desenvolvidos e da missão do Laboratório, decidimos dar um cunho local a este relatório. Apesar deste tipo de investigação pretender identificar macro tendências internacionais – partindo das influências da globalização e a disseminação global de mudanças nas mentalidades; a nossa pesquisa colocou Portugal e principalmente a cidade de Lisboa em destaque. Por outras palavras, trabalhamos com tendências socioculturais observadas à luz das suas manifestações no nosso contexto e os resultados sublinham essa importante orientação.

Metodologia

Para a estruturação desta pesquisa seguimos as abordagem de identificação de tendências propostas por Nelson Pinheiro, Suzana Cohen, William Cantú e Clarissa Lopes (2021). A mesma foi desenvolvida com base na articulação das perspetivas de diferentes autores (a sublinhar Powers, 2018; Dragt, 2017; Raymond, 2010; Vejlgaard, 2008; entre outros) e pretende informar um modelo de Trendspotting e Trendwatching, ou seja, de identificação e análise de tendências. Este exercício pressupõe três fases: (1) observação cultural e recolha de dados (Gomes, Cohen e Flores, 2018, pp. 66-73) onde a hipótese é enquadrada tendo em conta um cruzamento das fontes analisadas; uma pesquisa qualitativa com os públicos (como sublinhado por Raymond, 2010), abordando entrevistas e inquéritos; e um conjunto de coolhunts (ver Rohde, 2011; Gloor e Cooper, 2007) – o coolhunting assume aqui um papel de destaque, como prática de inspiração etnográfica/netnográfica que procura sinais criativos que indicam a emergência de novas práticas e representações no âmbito de alterações nas mentalidades. (2) A sistematização da informação (Gomes, Cohen e Flores, 2018, pp. 74-75) pressupõe uma interpretação aprofundada dos dados e a sua análise num contexto de geração de ligações por afinidade (ver também Dragt, 2017; Mason et. al, 2015) para sistematizar a informação e criar grupos de dados que permitem construir uma perspetiva clara sobre a arquitetura e natureza das tendências. (3) a última fase pressupõe o desenho e a arquitetura do ADN da tendência (Gomes, Cohen e Flores, 2018, pp. 87-77) onde, com base nos grupos sistematizados, identificamos a natureza da tendência sociocultural e construímos o seu ADN e o texto descritivo da mesma. Estes textos passam depois pelo crivo de um grupo de pares, especialistas em Estudos de Tendências e em dinâmicas socioculturais, através de um processo Delphi ou de um grupo de foco, de forma a rever o texto final à luz dos dados da investigação.

Horizonte Temporal e Escopo
As tendências não nascem e morrem de um ano para o outro e também não sofrem alterações profundas num minuto. Neste sentido, queremos reproduzir interpretações baseadas em elementos recolhidos no ano específico da análise (2023, o mais rico em termos de alguns dados), mas não queremos desconsiderar os elementos recolhidos nos anos anteriores. Fruto do nosso conhecimento das dinâmicas das tendências (das suas mutações, articulações e transformações), é importante compreender a sua evolução num espectro mais largo. O nosso objetivo não é comercial, onde existe a pressão para apresentar “algo novo” a cada ano. O nosso objetivo consiste em monitorar as mudanças no mapa sociocultural que impactam a cidade de Lisboa e o seu macro contexto. Assim, cada relatório considera também os dados e as leituras dos anos anteriores, em ciclos de três anos (neste caso 2021-23), articulando os mesmos com a visão mais recente sobre novas dinâmicas e fenómenos.

Em termos de espaço, temos consciência que o processo de globalização dissemina mentalidades  num rápido ritmo e num expectro internacional (apesar das últimas discussões sobre a desaceleração da globalização). Neste sentido, estas macro tendências são também um reflexo desses movimentos de ideias estruturadas. Por outro lado, compreendemos as limitações desta perspetiva, pois cada realidade geográfica tem características específicas. Isto obriga ainda mais a uma articulação entre redes/instituições e especialistas para partilhar os diferentes objetos e as suas interpretações contextualizadas. Importa gerar uma discussão com pessoas diferentes, oriundas de espaços diversos e com experiências e visões também diversas. Este estudo, consciente de todas estas questões, contribui para uma perspetiva local, inserida num contexto que se diz “ocidental”, com foco nas realidades da cidade de Lisboa.

Aplicação do Exercício

Como já foi referido, este trabalho surge de um contexto pedagógico e está inserido em unidades curriculares de 2º ciclo no âmbito do Programa em Cultura e Comunicação da FLUL. Neste sentido, o que aqui apresentamos são os melhores resultados dos nossos estudantes, num processo de aprendizagem e de desenvolvimento de competências – que traz naturais limitações em termos da recolha e análise, fruto de um processo de aprendizagem contínua.

Os estudantes de mestrado que participaram foram organizados em grupos, ou trabalharam individualmente, cada um com uma hipótese inicial e um conjunto de tópicos culturais associados. Cada grupo desenvolveu a sua pesquisa e o processo de identificação de tendências, seguindo o modelo de três fases atrás descrito que foi traduzido num briefing com instruções específicas pelo docente responsável, o Prof. Nelson Pinheiro. Em 2021, fruto das evoluções do contexto pandémico, cada grupo foi destacado para a monitorização de uma macro tendência identificada no ano anterior e identificação de possíveis micro tendências; e para a hipótese de uma micro tendência relacionada com as manufacturas urbanas e culturais colectivas. Em 2022 e 2023, o exercício foi desenvolvido individualmente, beneficiando da experiência dos anos anteriores. Este ano, a investigação teve lugar desde finais de Janeiro até Junho 2023.
Na primeira fase os estudantes abordaram seis métodos diferentes, de acordo com o seu exercício:

Método 1 – Desk Research, Pesquisa de fontes secundárias.
Também conhecida como pesquisa secundária, procura identificar trabalhos já realizados sobre a hipótese e os seus tópicos, ao contrário do trabalho empírico e de campo realizados de raiz para a investigação. Foram considerados relatórios e outras fontes capazes de trazer dados iniciais para a pesquisa. Este exercício foi desenvolvido por estudantes de 2021 e de 2022, sendo que em 2021 também se promoveu uma breve revisão literária.

Método 2 – Clipping dos Media
Partindo da premissa de que os media sublinham questões de destaque em discussão na praça pública, este relatório beneficiou da recolha notícias dos principais jornais nacionais e de outras fontes internacionais relacionados com as hipótese em estudo.

Método 3 – Coolhunting
O método de Coolhunting foi aplicado de forma exploratória com base numa amostra não-probabilítica por conveniência. A aplicação do método foi sofrendo alterações entre 2020 e 2022, incluindo, em alguns casos, novas categiorias de análise e um processo articulado conforme exposto em Gomes e Cantú (2022). Isto, sem deixar de seguir um guião tradicional inspirado por autores como Rohde (2011) e Dragt (2018), entre outros, que implica a identificação e descrição do sinal, a sua análise face à inovação e o conceito de “cool”, bem como os insights estratégicas que sugere.
Em média, cada grupo de 2020 e 2021 identificou 20 sinais Cool e cada estudante em 2022 identificou uma média de 5 sinais. Destes, cada grupo analisou em profundidade os que consideraram mais representativos da hipótese/tendência. Na análise dos resultados foi considerado o universo total de sinais identificados por cada grupo, com destaque para os significados e insights impressos nos sinais mais representativos das hipóteses.
Em 2022, este foi o principal método do esforço analítico. A partir deste ano, sempre que pertinente, foi aplicado o guião já citado, desenvolvido por Gomes e Cantú (2021), para incluir questões de análise semiótica, de grupos de estilo de vida, entre outros elementos.

Método 4 – Análise de Conteúdo
Partindo da premissa que a produção audiovisual tem o potencial de traduzir mudanças nas mentalidades e a emergência de novas narrativas e construções simbólicas, importa compreender os significados que se encerram nestes produtos. Em 2023, inspirados pelo método da análise de conteúdo como introduzido por Bardin (1979) e Wimmer e Dominick (2011), desenvolvemos a análise de diferentes séries de dados – desde produções culturais, meios de comunicação, produção audiovisual, streaming, entre outras séries de objectos/representações culturais.  Em 2022, abordámos cada música presente nos últimos anos das Eurovisão para verificar os resultados, os conteúdos e as temáticas das mesmas.

Método 5 – Entrevistas
Em 2022 sublinhamos 13 entrevistas a especialistas na área da cultura e da criatividade, a maioria com ligações em Lisboa. Foi seguido o mesmo guião semi-estruturado partilhado com todos os entrevistadores que, no fim, após uma padronização sistemática e interpretativa, apresentam os principais insights derivados dos contactos. Para o efeito, tivemos em consideração as ponderações de Grant McCracken (1988) sobre o processo, o contexto de aplicação e a estrutura a desenvolver para o método.

Método 6 – PEST
Os estudantes, individualmente, recolheram diferentes elementos entre Janeiro e Abril de 2023 para sublinhar tópicos recentes no contexto das categorias Política; Economia, Social, Tecnológica. Para o efeito, recolheram elementos de diferentes fontes, desde os media, até observatório e institutos nacionais e internacionais.

Método 7 – Circuito da Cultura
em 2023, seguindo os princípios de análise critica dos Estudos de Cultura, cada estudante abordou o circuito da cultura como apresentado por Du Gay et al. (1997) e por Hall (1997) para analisar o contexto e os significados de determinados objetos culturais com potencial para influenciar dinâmicas e mentalidades.

Método 8 – Grupos de Foco
i) No primeiro semestre de 2023, após uma ronda de discussões inspiradas no método Delhpi, os membros do Laboratório em Gestão de Tendências e da Cultura – com base numa recolha de dados anterior a estudantes de licenciatura e de estudos pós-graduados – definiu os principais tópicos culturais/do zeitgeist a considerar neste estudo, capazes de orientar as diferentes hipóteses e exercícios analíticos: __ IA  __ Resistência  __ Transgénero  __ Identidades  __ Simulacro __ Phygital  __ Liberdade  __ Democracia  __ Acesso  __ Ambiente  __ Pós-Pandemia  __ Energia  __ Ideologia  __ Trabalho__ Inflação  __ Política  __ Corrupção __ Polarização  __ Vigilância  __ Iniquidades  __ Crise  __ Guerra __ Horror __ Apocalíptico.
ii) Em Junho de 2023, após reunirem os dados de cada método e de tirarem as conclusões iniciais (que partilhamos neste relatório mais abaixo), cada estudante sistematizou a informação e os resultados e agruparam os mesmos por afinidades em insights (pistas estratégicas) sobre a natureza da tendência em estudo. Com isto, de seguida, estruturaram algumas bases para o ADN das macro e micros tendências.
iii) Em Julho de 2023, antes da discussão da natureza das tendências, o laboratório promoveu um grupo de foco para discutir informação adicional, perspetivas e leituras sobre diferentes dinâmicas, acontecimentos e objectos socioculturais, de forma a melhor informar posteriormente a identificação, revisão e descrição das tendências socioculturais. Tiveram lugar três reuniões de 3 horas.
iv) Com estes dados e os principais resultados da pesquisa, incluindo os grupos de foco, os investigadores e jovens investigadores do Laboratório em Gestão de Tendências e da Cultura reviram as descrições já estabelecidas e o ADN das tendências, mediante um novo processo de grupo de foco, que deu lugar aos textos das tendências em Agosto de 2022. Os textos seguiram ainda para um processo digital de revisão, inspirado no método Delphi, que permitiu encerrar as descrições e o ADN final das tendências no dia 23 de Outubro de 2023.

9 – Limitações
Este ano/edição existem limitações importantes a sublinhar. O briefing falhou num ponto importante para os diferentes grupos de pesquisa que se traduziu numa pluralidade de ficheiros em formatos muito diferentes com os resultados. Isto, impossibilitou a edição em tempo útil da complexa informação contemplada nos variados formatos. Neste sentido, de modo a não comprometer a publicação do relatório deste ano, os responsáveis pela edição optaram por apresentar a sistematização e os insights correspondentes a cada tendência, bem como o principal elemento do relatório: os textos atualizados das tendências.

Referências:

BARDIN, L. (1979). Análise de Conteúdo. Translated by Luís Reto and Augusto Pinheiro. Lisboa: Edições 70.

DRAGT, Els (2017). How to Research Trends. Amsterdam: Bis Publishers.

DRAGT, Els (2018). How to Research Trends: Workbook. Amsterdam: Bis Publishers.

GLADWELL, Malcolm (2006). The Tipping Point: How little things can make a big difference. New York: Little Brown.

GLOOR, Peter e Scott Cooper (2007). Coolhunting: Chasing down the next big thing. New York: Amacom.

GOMES, N., Cantú, W. (2021). Cultural Mediations Between Branding and Lifestyles. In R. S. Goonetilleke et al. (eds.), Advances in Physical, Social & Occupational Ergonomics. Switzerland: Springer.

GOMES, N.; Cohen, S.; Cantú, W.; Lopes, C. (2021). Roteiros e modelos para a identificação de tendências socioculturais e a sua aplicação estratégica em produtos e serviços. Moda Palavra. 14(32), 228-272.

GOMES, Nelson; Cohen, Suzana; Flores, Ana Marta (2018). “Estudos de Tendências: Contributo para uma abordagem de análise e gestão da cultura”. Moda Palavra, V.11, N.22.

HIGHAM, William (2009). The Next Big Thing. London: Kogan Page.

MCCRACKEN, Grant. (1988). The Long Interview. London & New Dehli: Sage Publications.

MASON, Henry; MATTIN, David; LUTHY, Maxwell; DUMITRESCU, Delia (2015). Trend Driven Innovation. New Jersey: Wiley.

PORTA, D.; KEATING, M. (2008). Approaches and Methodologies in the Social Sciences: A pluralist Perspective. Cambridge: Cambridge University Press.

POWERS, D. (2019). On Trends: The Business of Forecasting the Future. University of Illinois: Illinois.
(2019)

RAYMOND, Martin (2010). The Trend Forecaster´s Handbook. London: Laurence King.

ROHDE, Carl (2011). “Serious Trendwatching”. Tilburg: Fontys University of Applied Sciences and Science of the Time.

VEJLGAARD, Henrik (2008). Anatomy of a Trend. New York: McGraw-Hill.

WIMMER, R.; DOMINICK, J. (2011). Mass Media Research. Boston: Wadsworth.

Macro Tendências Narrativas Ancoradas

Sumário: As estórias e os diferentes elementos simbólicos são as bases narrativas para criar processos de identificação, de comunicação, de desconstrução da memória e de imersão nas experiências quotidianas cada vez mais narradas e “gamificadas”.

Esta tendência sublinha a importância dos repositórios simbólicos e os processos de construção de narrativas. Estes repositórios atuam como âncoras. Eles permitem uma construção simbólica com base (1) em elementos sólidos das memórias coletivas e (2) numa personalização tanto criativa como mimética. O resultado são construções fluidas – entre o passado e a experiência individual. Estas estórias e narrativas são criadas com base nas fontes simbólicas e fruto de uma curadoria que procura gerir uma fluidez entre memória e a personalização criativa das estórias. São reciclagens sígnicas num constante processo de revisão dos significados.

Tópicos do Zeitgeist: Polarização; Distopias; Identidades; Guerra; Ideologia; Acesso; Phygital; Simulacro.

MACRO // NARRATIVAS ANCORADAS

Descrição: Esta tendência sublinha a importância dos repositórios simbólicos e os processos de construção de narrativas. O seu papel e disseminação são tão grandes, que quase ganha uma dimensão superior às restantes macro tendências. Num mundo em constante e crescente mudança – cada mais plural, fluido e líquido – estes repositórios atuam como âncoras. Eles permitem uma construção simbólica com base (1) em elementos sólidos das memórias coletivas e (2) numa personalização tanto criativa como mimética. O resultado são construções fluidas – entre o passado e a experiência individual – já não projetadas para o futuro, mas sim para um presente.
Estas estórias e narrativas são criadas com base nas fontes simbólicas e fruto de uma curadoria que procura gerir uma fluidez entre memória e a personalização criativa das estórias. São reciclagens sígnicas num constante processo de revisão dos significados, uma contínua revisitação dos símbolos que se encontram nos espaços físicos e digitais e que geram novas formas de narrar e de envolver os públicos. Isto, considerando uma imersão que ultrapassa as diferentes fronteiras do real e da perceção.
Através de estórias, os diferentes produtores de significado ganham personalidade; as narrativas ganham um maior papel como lazer “gamificado”;  os espaços criam narrativas a ser experienciadas; as comunidades geram processos de reconhecimento e identificação que transitam entre o coletivo e a construção individual; criam-se processos de relação entre públicos, artefactos e instituições; o autêntico é debatido e redesenhado/revisitado. A legitimidade do processo e das narrativas fica emaranhada na fluidez das referências e das camadas das estórias, onde o reconhecimento de autoridade tem um papel cada vez maior. A crise da liquidez começa também agora a receber as suas maiores críticas, mas a solidez totalitária ainda é uma estrutura longe do coletivo.

Micro Tendências Associadas: Fronteiras das Narrativas e do Medo; Realidades Gamificadas; Arquipélagos Urbanos e Digitais; iNostalgia; Linguagens (In)flexíveis.

Claire Haas, 2023:

1.1. Turismo em realidade aumentada
microtendências associadas: realidades gamificadas e arquipélagos urbanos e digitais.
Já estamos longe dos dias (que ainda conseguimos recordar) de ter viagens mediadas por agências de viagens compostas por humanos, considerando o atual uso de apps e tecnologia que facilitam o processo de viajar. Alinhado com as tendências já identificados, este padrão mostra uma variedade de novas abordagens de turismo num mundo físico mediado pela tecnologia. Dublin Augmentada mostra o uso de uma app para servir como guia turístico, e o aplicativo Grab facilita uma tradução de menus para turistas no Sudeste Asiático. O jogo Valorant combina também arte com a geografia de Lisboa.

1.2. Digitação de saúde e bem-estar
microtendências associadas: realidades gamificadas
Por um lado, os nossos corpos são presentes no mundo físico, mas isto não está a impedir os criadores tecnológicos de pensar em novas maneiras de digitalizar o bem-estar. Neste padrão vemos a digitalização da monitorização da saúde com o U-Scan ou com o Wheely X, bem como novas aplicações de tecnologia para providenciar mais dados sobre o nosso estado de saúde e treino físico. Ao mesmo tempo, este padrão inclui a gamificação de práticas saudáveis como vemos no caso de Wheely X, Bike Dance, o Chef GPT, e o Nowatch, com novos usos de tecnologia a incentivar práticas consideradas saudáveis.

1.3. Ancestrais e Origens (imaginados) para a diáspora Negra
microtendências associadas: Narrativas das origens
Este padrão sublinha uma parte da microtendência das narrativas das origens com um foco na comunidade Negra, especialmente no contexto das Américas. Comunidades que tinham as suas histórias de origens tiradas à força força agora procuram narrativas que respondem às questões presentes nessa microtendência. Filmes como Woman King e Wakanda Forever levam uma narrativa imaginada ao grande público (pelo menos no Norte Global), criando imagens e esstórias de um passado Afro feminista e libertador para pessoas negras. Na música, vemos a performance de Puta de Silva na comemoração da independência de Brasil, mas analise de conteúdo ao canal da RTP também mostra uma presença forte de música Afrodescendente. O novo memorial para pessoas escravizadas aqui em Lisboa e o estudo de Banned Books in the Metaverse também são sinais sobre este interesse nas raízes. Também o jogo/estória Far Cry e o trabalho literário de Mário Lúcio sobre a crioulização do mundo trazem esses temas. A arte participativa de NSN997, num estilo influenciado pela cultura hip-hop também entra nessa narrativa, enquanto o novo livro de música jazz New Standards promove a inclusão de mulheres, incluindo muitas mulheres Negras na história dessa música.

1.4. Grappling with Troubled Origens
microtendências associadas: Narrativas das origens
Os diversos sinais analisados mostram o começo de um padrão, que precisa de mais dados para uma confirmação segura, de pessoas refletindo criticamente sobre as histórias das suas origens. O documentário O Papa leva perguntas dos jovens diretamente ao Papa. Com um novo rei na Inglaterra, a expressão artística “God Save the King” sugere um povo com conflitos sobre o manifesto desta prática compartilhada. E o sinal Lojas com História mostra uma maneira de pensar em como levar uma estória a num novo contexto com outra vida.

1.5. Quem sou nesse futuro de trabalho digitalizado?
microtendências associadas: realidades gamificadas, arquipélagos urbanos e digitais, exponencialmente real, fronteiras das narrativas e do medo
Aqui, nas Narrativas Ancoradas, o que nos importa é como essa mudança do trabalho está a impactar as narrativas sobrem quem somos e como está nossa realidade. “Blue-collar workers” já passaram por várias iterações de máquinas a ficar com o trabalho de pessoas. Mas, neste momento, a ameaça chega aos trabalhadores de classe média – os “white-collar workers”. Enquanto há diferenças sobre como narramos as nossas vidas pela profissão, em Portugal esta é uma marca importante das nossas narrativas – e agora tudo pode estar em fluxo, e para outra classe social que não experienciou a ameaça das máquinas desta forma. Esta narrativa pode levar a uma possibilidade de esperança com os robots a fazer o trabalho que as pessoas não podem (Blade Runner 2024) ou ajudando com trabalho pesado (CRAY X). Mas, há uma ameaça das máquinas tomarem conta do trabalho criativo como o Jornal I ou Tela Pintada ou limitar a presença humana nos cuidados como o Robô Labrador. Já vemos que 80% dos trabalhadores têm “burnout” (dados PEST) e os Major League Baseball umpires estão em baixo com níveis de  stress elevado pela mudanças de tecnologia (dados PEST). Sinais como o Severance ou a Escolha de Preço mostram um futuro sem as fronteiras que conhecemos.

1.6. The lines of physical geography are blurring.
microtendências associadas: arquipélagos urbanos e digitais
Uma cirurgia feita por alguém noutra parte do mundo, viagens no Hyperloop, uma chamada de Extra Video, ou ir a um encontro na realidade virtual – então onde estamos? Aqui? Este padrão mostra não somente o borrar das linhas entre o físico e o virtual, mas também da fisicalidade. O que significa estar num lugar está a mudar, alterando os limites do que podemos fazer “aqui”.

1.7. Vigilância aumentada do estado policial
microtendências associadas: fronteiras das narrativas do medo, arquipélagos urbanos e digitais, o futuro está cansado
Este padrão sublinha um aumento no uso de tecnologia para fins de vigilância. De conferências internacionais de tecnologia para a policia; a União Europeu implementando dados biométricos nas fronteiras; testes de drones na EU; a força de Cyberdefesa de NATO; ou a prisão perpétua para pessoas que falam contra Putin na Rússia; o tema de vigilância está muito presente (dados PEST). O Squid Game mostra um sinal sobre o efeito de medo nas narrativas, mas acho também que importa procurar mais sinais dos impactos desse padrão.

1.8. Medos aumentados
microtendências associadas: fronteiras das narrativas do medo, arquipélagos urbanos e digitais, o futuro está cansado
Medos e ansiedades de usos abusivos de inteligência artificial, de insegurança financeira, guerra, de saúde, e do outro desconhecido estão a surgir em todos lados, alinhado com o que Zygumunt Bauman descreve numa sociedade aberta em que moramos. Está com medo agora? Pois… O Chat GPT pode ser um T-Rex a destruir a democracia, ou pode ajudar em golpes conforme o co-fundador de Apple indica. Segue a guerra na Ucrânia. Financeiramente, estamos no precipício de uma crise, com a inflação ainda alta, junto com o Qatargate, a falha do Silicon Valley Bank, o risco de recessão na Alemanha, com o G7 reunindo para decidir como dirigir as dívidas internacionais. Já sente o coração a bater? Vai lá, joga o Wordle para um momento de calma, e depois, compra um Neoplant para purificar o ar (já viu os impactos dos incêndios em América do Norte?).

1.11. Yikes! A minha infância está na moda de novo!
microtendências associadas: iNostalgia
Um carro dos Jetson’s, o boneco American Girl de 1999, o filme da Barbie, vamos relembrar esses dias onde a tecnologia era divertida e não uma ameaça? A microtendência de iNostalgia segue forte. 

Natacha, 2023

1.12 Diásporas Ancoradas na Consciência. Os processos de diáspora e as suas implicações são cada vez mais trabalhados em objetos culturais que articulam as experiências e memórias destas comunidades que estão ancoradas na consciência coletiva. Este padrão enquadra os objetos que trazem a experiência da diáspora, alienação, crioulização e hibridização, para o centro dos processos de significação a eles associados, desde performances a filmes, livros a acontecimentos. Neste enquadram-se processos de alienação associados à “migração e deslocamento” das comunidades diaspóricas como em Nope e os processos de crioulização/ hibridismos a eles associados como no livro Manifesto à Crioulização. Já na música Calunga e no tempo de antena dado pela RTP Palco a musica afrodescendente são trabalhados ritmos e redes semânticas que trabalham a hibridez entre africanidade e portugalidade re-significando o conceito de autenticidade. Também entra em destaque o catálogo da Netflix no qual estas temáticas dominaram no vetor raça-nostalgia.

1.13 A aparência da Transparência Narrativa de produção. Uma das narrativas ancoradas nas mentes coletivas diz respeito às expectativas que a cultura participativa traz para a relação produtor/consumidor. A aparência de transparência como um valor associado a práticas de consumo e produção faz cada vez mais parte dos processos de identificação e comunicação associado a diferentes marcas/instituições. E é o que caracteriza este padrão estando cada vez mais refletida em produtos culturais. Este padrão é visível nas conversas sobre religião e temas polémicos por parte do papa Francisco no documentário AMÉN, num concerto ao vivo da Rosália via tiktok que aparentemente quebra as barreiras da mediação associadas à construção de uma live performance, na criação de um vestido em plena passarela com o caso de Hadid para a Coperni ou por fim na possibilidade de escolha do preço base de comodidades como roupa que reflete novamente o sonho do controlo da narrativa que é vendido através da aparente transparência no processo de comunicação que na verdade omite as estratégias hiper mediadas por detrás destes produtos.

1.14 Narrativas In Úteis. Como é que podemos usar as narrativas e práticas ancoradas no quotidiano (úteis)de modo a servirem novas utilidades e funções? Esta é a pergunta que guia este padrão. A questão central é a unir a forma das práticas ancoradas no coletivo a novas funções/utilidades ligadas a práticas discursivas emergentes (que estão in) num processo de transformação do reportório simbólico associado às mesmas. Desde lojas com história que usam a prática do window Shopping e da deambulação para dar visibilidade a artistas e às próprias lojas com história. Ou a criação de uma nova narrativa sobre o cancro a partir de prática das redes sociais do fisiculturismo associada a toxicidade na #esmagandoocancer. Destacam-se também o relógio que não dá horas, mas usa a seu lugar no pulso para dar dados sobre saúde mental, o Watch e a aplicação do Pokemon go sleep que usa os processos de gamificação e o telemóvel como elemento passivo/intrusivo no momento do sono para alterar a rede semântica associada ao vetor telemóvel-sono

1.15 Classe is the new Classic. Este padrão revela uma obsessão sobre uma das narrativas ancoradas no imaginário coletivo, a dicotomia rico/pobre. Esta cria processos de identificação através da distopia em ambos os lados da dicotomia que acaba por uni-los ou separá-los em diferentes instâncias. Estes objetos exploram dinâmicas ligadas ao aparato económico que caracteriza diferentes sociedades ocidentais e não ocidentais (no caso de Squid Game). Entre os sinais destaca-se o filme Triangle of Sadness que problematiza a insatisfação e homogeneização social constante ligadas ao luxo, ou a série The severence que explora os processos de alienação e homogeneização ligados ao trabalho de escritório de classe baixa/média. A segunda temporada de White lotus também está em destaque voltando a trabalhar o fascínio com a miséria e insatisfação dos ricos. O padrão da obsessão com a narrativa de classe destaca-se na hype associada ao Squid Game que explora novamente a miséria e insatisfação ligadas às classes mais baixas. O destaque desta dicotomia e dos processos de identificação a ela associados também é visível no humor onde nos podcasts as piadas sobre “celebridades portuguesas dominam as visualizações”.

1.16 Pop always popping: Kids dreams become adult things. Este padrão enquadra-se na micro inostalgia dado que explora recriações a partir de repertórios simbólicos da cultura pop. Este caracteriza-se por materializar e recriar as representações e objetos centrais para crianças/jovens Gen z e adaptá-los a novas práticas de consumo adulto de classe media/alta. Desde o comeback das crocs no contexto da high fashion20, ou sinais como o petit chef que trazem para uma experiência gastronómicos processos de gamificação com os quais é possível fazer ponte de significação com o ratatouille filme central para a rede semântica de crianças Gen z do mundo “ocidental”. O sinal mais mainstream deste padrão identificado este ano é o filme da Barbie que resignifica o reportório simbólico associado a crianças millennial e até Gen z criando uma nova visão sobre esta boneca que era um “kids dream” e passa a ser uma “adult thing”. Por fim destaca-se o desfile de JW Anderson onde a roupa pixelada evoca o sonho de criança de usar as roupas dos jogos materializado num desfile de high fashion onde estes dois mundos se unem tornando o sonho da criança num objeto para adultos.

Natalia Condell, 2023:

 1.17 As relações familiares como símbolo. Ao observar os diferentes objectos analisados ao longo da aula, encontramos repetidamente exemplos de como os conflitos familiares são usados de forma simbólica para refletir ideias fundamentais do objeto cultural. Isto manifesta-se, por exemplo, em séries como The Last of Us, onde a relação de Joel com Ellie simboliza uma reconciliação e um reencontro de novos horizontes e oportunidades após a morte de Joel no início da temporada (e do jogo). O mesmo acontece no filme A Baleia, onde o conflito com Ellie, a sua filha, é utilizado para representar o lado humano da baleia, e até a sua salvação no final do filme. Este padrão estende-se aos jogos de vídeo e a temas musicais como It Takes Too e Survivors Guilt, respetivamente. Este padrão enquadra-se na micro-tendência das Narrativas de Origem, em que o orgulho nas origens e a necessidade de responder e estar à altura das relações familiares é frequentemente o que conduz aos diferentes conflitos internos que os objectos culturais procuram representar.

1.18 A tecnologia como ferramenta de substituição na vida quotidiana. O segundo padrão que pudemos observar na análise dos dados do seminário foi a forma como a tecnologia apareceu repetidamente como uma forma de substituir as formas quotidianas. Isto é particularmente interessante, porque não seria necessariamente um complemento, mas uma substituição. Por exemplo, a “Alexa” é uma nova ferramenta tecnológica que vem abrir portas para algo que nenhum objeto fez antes, muito menos o humano, não há nada anterior a isso, mas por outro lado, se olharmos para o objeto “A maior tela do mundo pintada por robôs”, é uma forma de substituição dos artistas humanos, de uma certa perspetiva, já precisamos de mãos humanas, temos robôs que podem fazer arte hoje em dia. O mesmo acontece com “Robot Labrador” ou com o anime “Cyberpunk Edgerunners”, onde toda a cidade foi absorvida pela tecnologia, dando uma nova realidade às personagens, intensificando os processos de gamificação com ela. Este padrão faz parte da microtendência das realidades gamificadas, em que o processo de jogar com a tecnologia se tornou mais uma realidade quotidiana, alterando práticas e estilos de vida.

1.19 A saúde mental como uma preocupação ameaçadora. A saúde mental é repetidamente utilizada como foco de preocupação e tema central nos objectos culturais analisados, de tal forma que podemos chegar a pensar nela como uma micro-tendência futura de narrativas de estilos de vida ancoradas e residentes, onde em muitos casos é apresentada como um problema, uma crise, um medo, algo defeituoso que temos de corrigir de uma certa forma, introduzindo-lhe muito simbolismo, como por exemplo, o filme “Entergalactic”, onde a própria vida quotidiana simboliza algo aterrador que nos pode desestabilizar mentalmente. É exatamente o mesmo com a escultura de Sonia, feita por Superlinoux, que está instalada por cima de uma farmácia, simbolizando esta ameaça; ou, de uma forma muito mais literal, com o ensaio “Capitalism and the death drive” de Byung Chul-Han, onde o sistema económico em que vivemos e a nossa forma de realizar práticas e criar significado nos conduziu a uma realidade em que o dinheiro é mais importante, deixando de lado a nossa saúde mental, mostrando mais uma vez esta desestabilização ameaçadora. Este padrão fala-nos de uma saúde mental que já não vem do cuidado, mas do medo.

1.20 A metafísica como canal de rutura. O uso de eventos metafísicos para poder, através deles, representar diferentes camadas de significado, foi um sinal que também foi mostrado repetidamente durante este seminário. Onde a metafísica ou o divino é mostrado com a força da rutura e da criação, dando oportunidades para recriar narrativas e modificar repositórios simbólicos. Isto é bastante representativo nos videojogos, que facilmente devido ao seu formato, conseguem trazer o utilizador para uma realidade virtual onde experiências metafísicas podem ser vividas, como por exemplo em Elden Ring ou The Last of Us. A micro-tendência associada a este padrão é Narrativas do medo e linguagens inflexíveis, onde através do medo do que vai para além da nossa realidade tangível podemos questionar e construir novas linguagens e repositórios simbólicos.

1.21 O exagero como símbolo. Este padrão reflecte como, através do uso do exagero e da contradição de forças opostas, se criam rupturas que formam novas linguagens e conseguem representar a ideia principal do objeto cultural analisado. Um grande exemplo disto é a série “Squid Game”, na qual vários participantes estão num concurso onde jogam as suas vidas por dinheiro. Nesta série televisiva, através do exagero da morte, procura-se questionar como é que o dinheiro se torna uma âncora tão poderosa na nossa forma de nos relacionarmos uns com os outros, e recorre-se ao exagero da morte e até à preferência pela morte em determinados cenários. Outro exemplo é a série “Severance”, em que os trabalhadores aceitam uma intervenção cerebral para separar a vida profissional da vida pessoal, uma situação identificável para todas as pessoas que já tiveram um emprego a tempo inteiro na sua vida, mas que, através do exagero, consegue representar os pontos principais que está a tentar fazer.

Articulações entre os Padrões
A nossa experiência da cidade está a mudar. Ainda estamos no mundo físico ou já estamos no digital? Perdemos cada vez mais a estabilidade, com medos aumentados, e cada vez mais vigilância. Estamos na procura das nossas histórias e estamos a mudar a narrativa sobre saúde mental e à procura das diferentes raízes. Vai ser suficiente encontrarmo-nos ou vamos colocar as nossas cabeças debaixo da arreia (ou num 1999 imaginado) porque não suportamos tanto medo?
Os padrões negoceiam as narrativas ancoradas sejam elas em relação à produção cultural/ consumo, à noção de classe/raça ou até em relação às práticas mais quotidianas como dormir, olhar para o relógio, ver uma vitrine e praticar fitness. Porém enquanto os padrões relativos às diásporas ancoradas e às narrativas in úteis trabalham uma alteração da rede semântica e ideológica associada às ancoras os restantes procuram uma conservação das mesmas.
Nos últimos cinco padrões, encontramos formas de representar temas contingentes em relação à forma como vivemos o nosso quotidiano no ano 2023 e às novas linguagens que isso implica. Todos os padrões utilizam um simbolismo facilmente identificável, de modo a abordar questões de importância atual em diferentes produtos artísticos e culturais. Hoje em dia, a saúde mental, o uso da tecnologia e da inteligência artificial, o questionamento da importância do dinheiro e as relações familiares afectivas são facilmente ouvidos em conversas entre grupos sociais, ou seja, em diferentes classes sociais e faixas etárias, quebrando diferentes tipos de tabus, o que reflecte um desenvolvimento das práticas sobre esses temas e o desenvolvimento das suas linguagens (por exemplo, sendo cada vez mais inclusivas e abertas a novas formas de relações afectivas).

Claire Haas, 2023:

1. Há uma força nas mudanças com a inteligência artificial que sugere uma mudança global do mapa das tendências. Na perspetiva das narrativas ancoradas, faz parte de uma onda de desancorar a nossa realidade. Se vai existir uma mudança ao nível da macrotendência, vai estar relacionada com isto. O padrão sobre o futuro de trabalho aparece dentro de várias macrotendências e creio que pode ajudar a mostrar onde cabe essa mudança entre as macrotendências.

2. As narrativas das origens podem ser revistas para colocar no centro a visão anticolonial e antirracista: estamos na procura das nossas origens porque o capitalismo e o colonialismo nos tirou das terras e práticas tradicionais.

3. Vejo uma força sobre o assunto do medo e o papel que tem nas nossas vidas. Isto cabe nessa macrotendência – estamos a criar narrativas para balancear esses medos. Ao nível do microtendência fronteiras das narrativas e do medo, é necessário considerar a crise de gentrificação/habitacional.

Natacha, 2023:

4. Surge uma ligação entre a macro Narrativas ancoradas e a Redesenho de estilos de vida. Esta surge através da articulação entre o prefixo re; recriar, refazer, reciclar, re-significar e redesenhar associados à última e os reportórios simbólicos base que residem em fricção nos processos de gamificação presentes na primeira. Esta gamificação na micro realidades Gamificadas conceptualmente já não é um processo que surge somente de uma interação físico-digital, mas também da interação Histórico-social como um jogo unindo-a também à micro inostalgia.

5. Cada vez mais a experiência de alienação associada à experiência diaspórica entra no escopo da micro narrativas das origens. O orgulho, os localismos e os nacionalismos passam a coexistir com uma aura de alienação traduzida em vários produtos culturais algo também refletido no padrão diásporas ancoradas na consciência.

6. Os processos de gamificação permitem alterar as memórias ancoradas fazendo-as coexistir com memórias emergentes e historicamente apagadas criando um espaço de diálogo nos artefactos e espaços que ao invés de destacar uma memória oficial em detrimento de outra leva a um espaço onde estas coabitam colaborando na re-significação dos reportórios simbólicos das cidades o que leva a uma ligação entre a macro narrativas ancoradas e a macro sistemas sustentáveis.

7. A construção de processos de identificação ligados à categoria classe surgem num processo contraditório. Existindo cada vez mais produtos audiovisuais a explorar a distopia enquanto elemento humanizador dos dois lados. Ao articular o vetor polarizar-humanizar são reveladas as nuances discursivas associadas à micro linguagens (in)flexíveis.

8. Se por um lado as narrativas de medo surgem em parte do pânico moral associado à guerra na Ucrânia (e cada vez menos pelo covid) também surgem cada vez mais associadas aos problemas sociais graves enfrentados tanto na cidade de Lisboa como no país como um todo. Sendo estes agregadores do sentimento de ameaça e necessidade de resignificação característico da micro fronteiras das narrativas e do medo. Esta ideia auxilia também na compreensão das contradições do padrão classe is the new classic.

Natalia Hondell, 2023:

9. O medo torna-se uma parte ativa da narrativa e da nossa forma de nos relacionarmos com o nosso ambiente, com as nossas relações e connosco próprios. Depois de enfrentar anos de pandemias globais, as pessoas mantêm um sentido de alerta e a ideia de que tudo pode mudar de um momento para o outro, sem aviso prévio, em que a catástrofe se torna um fator identificável em todos nós e aplicável a todos os aspectos das nossas vidas.

10. A tecnologia já não está posicionada no futuro, como algo irreal que acontecerá no “depois”, mas é algo que está a acontecer no “agora”, e não no agora dos cientistas, mas no agora quotidiano das pessoas comuns, onde já não é vista como um entretenimento ou um complemento, mas está mesmo a substituir funções humanas, com a intenção de melhorar a qualidade de vida e a eficiência das nossas realidades, mas preservando sempre a lógica de constante gamificação entre ela e nós.

11. Depois de, nos últimos anos, o auto-conhecimento e a preocupação emocional e interior se terem tornado uma das principais recomendações para uma vida melhor, o auto-cuidado é agora apresentado ao mundo como uma necessidade transversal e obrigatória, reflectindo o sentido de urgência da sociedade atual em encontrar o bem-estar em múltiplas áreas da vida. Este facto tem também a ver com o sentimento de medo e catástrofe iminente (pós-covid, guerra, etc.), em que a necessidade de conforto interior já não pode ser adiada.

12. A família e os laços de amizade são hoje mais fortes do que nunca, onde a afetividade se posiciona de forma vingativa. Apesar das mudanças na forma como nos relacionamos e das grandes alterações nos conceitos de relações tradicionais e reais, a afetividade é reforçada sobre a ideia de família como instituição, onde a emocionalidade é o núcleo fundamental e representativo da forma como nos desenvolvemos no mundo.

13. Um mundo onde temos tanta informação, tão fluida e tão líquida, pode criar cenários actuais onde a sensibilidade se pode perder, e é aí que o uso do exagero, da hipérbole, se torna uma ferramenta poderosa dentro da oferta cultural, como uma ferramenta que nos aproxima da identificação de certos cenários. É necessário levar-nos ao limite para questionar a forma como estamos a encarar o mundo atual.

Macro Tendências Identidades Protagonistas

Sumário: A discussão crescente sobre as identidades ao nível da tensão entre categorias coletivas, emergentes e reconhecidas, e a fluidez da construção individual da(s) identidade(s) que articulam os movimentos sociais coletivos e o crescente individualismo desta modernidade.

Esta tendência sublinha uma tensão, de grande mudança, entre os protagonismos coletivo e individual. Uma tensão entre dois movimentos distintos: (1) as categorias coletivas em debate e (2) o fim das mesmas numa construção individual. Esta ambiguidade resulta num hibridismo e numa revisão constante do conceito de identidade. Uma porosidade pendular que tanto enaltece as categorias como recusa os rótulos. Uma tendência que sublinha várias representações e construções identitárias em diálogo permanente e perpétuo, na busca por um resultado final que não existe e cujo futuro imaginado muda a cada momento.

Tópicos do Zeitgeist: Polarização; Identidades; Transgénero; Democracia; Desigualdades; Ideologia; Liberdade; Simulacro; Política.

MACRO // IDENTIDADES PROTAGONISTAS

Descrição: Esta tendência sublinha uma tensão, de grande mudança, entre os protagonismos coletivo e individual. Uma tensão entre dois movimentos distintos: (1) as categorias coletivas em debate e (2) o fim das mesmas numa construção individual. Esta ambiguidade resulta num hibridismo e numa revisão constante do conceito de identidade. Uma porosidade pendular que tanto enaltece as categorias como recusa os rótulos. Uma tendência que sublinha várias representações e construções identitárias em diálogo permanente e perpétuo, na busca por um resultado final que não existe e cujo futuro imaginado muda a cada momento. A tensão entre protagonismos individuais e coletivos é uma oportunidade de construir um processo de discussão que conta com rupturas, catarses, revisitações e questionamentos.
Assim, a ânsia por representatividade surge pela urgência do auto-identificar, auto-pertencer e auto-expressar para além do que reconhecem as autoridades – órgãos governamentais e a sociedade em geral. A equidade nas relações humanas passa a ser o foco principal. Vivenciamos uma constante revisitação de categorias, que também se tornam alvo de contestações, disputas e resistência: a memória oficial parece não bastar enquanto forma de representação de diferentes grupos que coexistem nos mesmos espaços. Vemos, então, a atualização de ferramentas socioculturais para a manutenção e valorização de memórias coletivas e matrizes identitárias individuais e comunitárias, acompanhando as transformações dos modos de vida e as possibilidades sociais, económicas e tecnológicas. A procura pelas histórias fundadoras não desaparece, agregando uma proposta de reciclagem do olhar sobre o passado que permita a inclusão de matrizes identitárias não hegemónicas enquanto voz ativa; e do peso de novas dinâmicas híbridas e grupais muitas vezes baseadas na partilha de determinadas representações, artefactos e práticas de consumo.
Em simultâneo, verificamos que as denominações e formas de expressões identitárias atuais, e mais tradicionais, não são suficientes na demanda por uma auto-expressão que com o passar dos tempos se tornou mais plural do que nunca. Atualmente, vivemos a expansão de categorias identitárias, uma construção que surge de dentro de cada um para fora e para o visível. A memória é desafiada pelas vozes que surgem de dentro e pela liquidez na construção das arquiteturas identitárias individuais e grupais. Uma construção de identidades protagonistas sem fronteiras e sem restrições.

Micro Tendências Associadas: Empatia(s); Corpos Políticos; Polarizações; Tribos Cool; Exponencialmente Real.

Diogo Araníbar, 2023

2.1 Paradoxos de Pertença
A partir de todos os dados analisados, é possível identificar uma tensão clara e crescente entre coletividade e individualidade. Do campo da política ao do entretenimento, todos os movimentos de representação simbólica trazem na sua origem um forte apelo a estes dois aspetos centrais que colocam em tensão sobretudo os discursos oficiais (governamentais, empresariais, religiosos) versus a validação da experiência pessoal dos indivíduos como centro e motor articulador de uma ética quotidiana. Embora ambos os movimentos pareçam necessitar um do outro para existirem, existe um contraste nos valores que apresentam em termos do seu sentido de pertença. Quem pertence ao coletivo parece desligar-se da sua individualidade, e quem exerce a sua vontade individual deixa de pertencer ao coletivo. A relação entre o público e o privado, a memória coletiva e individual, a opressão e a liberdade, são temas que correspondem a este padrão. 

2.2 From Calm Living to Not Participating
Atualmente, é natural dizer que cada um de nós tem uma identidade digital, uma espécie de vida dupla que decorre em paralelo no mundo virtual. É interessante notar, através dos trabalhos do grupo, que todos os dias há cada vez mais serviços e regulamentos associados à já incorporada saúde digital, devido à crescente utilização e dependência de dispositivos eletrónicos. Este aspeto tornou-se um fator tão determinante na vida quotidiana das pessoas que até foi desenvolvido um campo tecnológico chamado Calm Tech, concebido especialmente para lidar com a nossa saúde digital. É o caso de aplicações como o Google Little Signals, que incorpora a ideia de “vida calma” em casa. Por outro lado, e de uma forma mais incipiente, estão a surgir movimentos que tentam contrariar os efeitos do desgaste digital de uma forma mais radical, como é o caso dos jovens que não estão interessados em criar perfis nas redes sociais e que preferem adquirir aparelhos eletrónicos “retro” que apenas possuem as funcionalidades mínimas de conetividade, como chamadas telefónicas e SMS, poupando-se assim à pressão de ter de investir tempo e energia na sustentação de uma identidade digital. 

2.3 Diversificar a discussão sexual.
Outro tema que está muito presente de forma transversal em diversos objetos e manifestações culturais analisados é o de uma crescente necessidade de debater e tornar transparentes as posições relativas à sexualidade dos indivíduos. Podemos constatar que o tabu associado à liberdade sexual e à procura do prazer está cada vez mais enfraquecido. Já não estamos a falar apenas de inclusão, mas também da discussão em torno de questões como a autodescoberta sexual, o prazer e a intimidade. Faz sentido que, num mundo cada vez mais mediado por dinâmicas de ausência de contacto, essas dimensões atávicas da constituição humana procurem instrumentos de expressão. Tanto no campo da produção audiovisual quanto nas iniciativas privadas e governamentais, o tema da discussão da sexualidade, da liberdade e do prazer está cada vez mais presente. Podemos notar esse movimento em projectos como o Musex, o primeiro museu pedagógico do sexo em Portugal, o filme “Close” que critica a crise da masculinidade, a aplicação Kama que procura melhorar a confiança, o prazer e a ligação das pessoas com a sua própria sexualidade, entre outros. 

2.4. Hibridismo identitário: identidades fragmentadas.
Embora este padrão esteja em parte relacionado com o paradoxo de pertença, esta versão apresenta uma variante diferente, uma vez que aponta diretamente para a identidade dos indivíduos na esfera privada. Os diferentes elementos estudados revelam uma articulação híbrida entre a nostalgia de um passado melhor e a frustração de viver algo que não existe, uma espécie de desejo platónico de pertença a um imaginário que é reforçado pelo discurso das redes sociais, onde temas como a Memória, a Nostalgia, a Diversidade Cultural e a Raça se entrelaçam para criar um espaço rarefeito de pertença e exclusão em que as categorias são exaltadas e os rótulos rejeitados. Este sentimento de pertença e exclusão pode ser visto em obras como Woman King, o projeto “House of Legends” centrado nas necessidades das comunidades LGBQI+ negras, o “Anti-Manual de la Lengua Española”, a “Barbie com Síndrome de Down” ou o ensaio “Abolição. Feminismo. Now” de Angela Davis, todos eles objetos que evidenciam a tensão e as contradições entre as dinâmicas de representação identitária atuais, como refere Stuart Hall: temos muitas identidades que podem estar em conflito umas com as outras. 

João Miranda, 2023:

2.5 O direito a ser. Este padrão sublinha o movimento social emergente, não só pela liberdade sexual, mas pelo direito a ser e a existir, a ter prazer e a ter acesso à educação sexual sem censura ou opressão.  Este movimento coloca pressão social sobre governos, instituições e empresas para serem mais inclusivas e para publicitarem uma mensagem não-tóxica sobre a diversidade do corpo humano e da liquidez da sociedade.
Microtendências associadas: exponencialmente real e corpos políticos.

2.6 Realidades Digitais. Este padrão está relacionado com a articulação das inovações tecnológicas, especialmente as mais recentes inteligências artificiais,com a vida quotidiana de qualquer pessoa. Ao mesmo tempo, assistimos a uma maior necessidade de acessibilidade a estas necessidades de forma a colmatar desigualdades sociais e a ultrapassar obstáculos físicos, que impedem a plenitude do princípio de igualdade.
Microtendências associadas: tribos cool e exponencialmente real. 

2.7 Representação e Protesto na Arte. Este padrão aborda manifestações de representação e protesto na arte, através da ocupação de espaços públicos, como fachadas; através do alcance de espaços institucionais, como museus; e através da criação de objetos e artefactos culturais, que refletem as expressões identitárias não-hegemónicas e protestam pelo direto à existência e ao espaço público.
Microtendências associadas: corpos políticos.

2.8 Polarização e (anti/em)patias: Este padrão reflete o mundo polarizado em que vivemos, onde as grandes narrativas identitárias, entram em conflito com as novas e voláteis representações identitárias. Dentro desta polarização, podemos detetar um sentimento de antipatia e hostilidade ou de empatia. Em conra-rumo, dá-se uso da sátira, da arte e da tecnologia na tentativa de acusar ou escapar a esta mesma divisão.
Microtendências associadas: empatia(s), polarizações e corpos políticos. 

José Pinto, 2023:

2.9 Subjetividade, Identificação, Pertença.  A microtendência dos corpos políticos produz um impacto cada vez mais visível na materialidade do quotidiano, pressionando as pessoas a refletir e conversar mais sobre as liberdades e as questões levantadas pelos grupos que confrontam os poderes dominantes. É o exemplo das peças de arte de rua “Sónia” e “Sofia”, que provocam reflexão sobre o feminismo e a saúde mental.
Apo Whang-Od, também conhecida por Maria Oggay, é uma famosa tatuadora com 106 anos, do vilarejo de Buscalan, Kalinga, Filipinas. A artista é considerada a mambabatok ou tradicional tatuadora de Kalinga mais velha do país e foi capa da Vogue Filipinas.
O Musex, primeiro museu pedagógico do sexo em Portugal, foi projetado para o debate em torno da sexualidade. E a inauguração do Memorial de Homenagem às Pessoas Escravizadas em Lisboa, que será sinal de justiça histórica, pretende reescrever a História de Portugal.
Se estudar a identidade é útil para o marketing e a política, ela é, na realidade, mais complexa e fluida do que a categoria, redutora, por isso tem havido uma valorização crescente dos discursos subjetivos em torno dos valores e necessidades com que a pessoa se identifica e como é que cada pessoa sente que pertence ou não aos grupos sociais.

2.10 O Cansaço da Desinformação. A aceitação e abertura ou a negação e fechamento em relação à diferença, a qual constitui e inunda a sociedade e o mundo desde sempre até hoje, parecem ser dois movimentos resultantes de posicionamentos fortemente influenciados pela microtendência das polarizações, centradas sobretudo entre binómios conceptuais, tais como por exemplo: “bom ou mau”, “preto ou branco”, “masculino ou feminino”. Agora, que cada vez mais pessoas se consciencializam de que atitudes e narrativas fundamentalistas, vindas quer de posicionamentos conservadores, quer de posicionamentos progressistas, têm apelado à escolha entre X ou Y, quando, na realidade, a identidade é múltipla, assiste-se a um número crescente de denúncias de desinformação nas redes sociais, o que parece ser um sinal importante de que a coletividade humana começa a dar passos no sentido de consolidar a cidadania e literacia da identidade digital. Embora tenhamos de esperar mais algum tempo para confirmar esta tendência, o impacto negativo das polarizações adivinha-se, sobretudo nos jovens, ao nível da ansiedade, depressão, imaturidade emocional e incapacidade de dialogar na sua experiência social física.

2.11 O ano da inteligência artificial. A microtendência do mundo digital exponencialmente real tem ganho contornos cada vez mais exacerbados, em grande medida com o lançamento do ChatGPT, a intensificação da utilização da Inteligência Artificial e de se assistir a cada vez mais aplicações do conceito phygital na prática. No universo online, os utilizadores e consumidores procuram identificar-se com narrativas originais que permitam: (i) um processo de identificação; (ii) um processo de descoberta e/ou resolução de problema numa dinâmica quase “gamificada”; (iii) o desenvolvimento de competências e de ideias; (iv) um entretenimento imersivo e interativo. Estes seus interesses fazem com que as empresas, organizações, marcas e influenciadores tenham de encontrar estratégias para lidar com o hipercapitalismo que abunda online, cujo ambiente se assemelha, por vezes, ao de uma feira, e ir ao encontro dos estilos de vida do cliente. Isto faz com que as tradicionais esferas da vida se desestabilizem, tais como privado-público, online-offline, em direto-diferido e trabalho-família-lazer, entre outros, e continuem a ser objeto de debate para ajustar as suas vantagens. Neste período pós-pandemia, as pessoas querem sair de casa, conviver e divertir-se, o que se reflete numa menor fusão online-offline do que aquela que se viu durante os confinamentos, nos quais o nível de transparência foi forçosamente exponencial. Num movimento paradoxal, certos grupos sociais passaram a marcar presença mais assídua online, recebendo com entusiasmo o Meta, mundo virtual que tenta simular a realidade através de dispositivos digitais. Assim, as identidades protagonistas continuam “à venda”, sobretudo numa lógica de branding cultural das marcas, sendo que os consumidores exigem uma expressão cultural cada vez mais autêntica e uma comunicação cada vez mais transparente, sob pena de serem canceladas, no caso de promoverem a representatividade pela mera representatividade.

2.12 Artefactos, Representações e Práticas Híbridas. Percebe-se, pela análise de conteúdo do TOP 10 dos filmes e séries mais vistos na Disney+ e na Netflix entre janeiro e março de 2023, que, relativamente à macrotendência das Identidades Protagonistas, o jogo das identidades continua vivo e bem vivo. A maioria dos filmes mais vistos representa a alteridade através das diferenças sociais, raciais, culturais, históricas e geográficas encorporadas nas suas narrativas, quer sejam elas focalizadas no presente, quer encetem aventuras em busca das respostas às origens e raízes culturais e identitárias. A polarização continua a endurecer posicionamentos discursivos e a bloquear maior representatividade, inclusive, de novas identidades, culturalmente híbridas e até mesmo fusionadas, crioulizadas, por onde entra o novo no mundo. Ainda assim, o facto de os filmes e séries mais vistos na Disney+ e Netflix representarem linguagens culturais distintas, potencia a crioulização e hibridação cultural da sociedade. Alguns sinais cool analisados comprovam-no, como por exemplo: a aplicação Lungy, fruto da hibridação de conhecimentos entre ciência, design e tecnologia; a arte de rua de Pegasus, que é uma bricolage híbrida de referências da cultura popular inglesa e global, feita para satirizar a recente coroação do Rei Carlos III; e o “artivismo”, ativismo através das artes na Galeria de Arte Urbana de Lisboa. O documentário “AMÉN: Francisco Responde” é um sinal evidente de como as identidades são, hoje, diferentes entre si, manifestam valores e necessidades muito específicas nos seus corpos políticos e, apesar disso, é possível criar dinâmicas de empatia e compreender as razões e, sobretudo, os significados do outro, como comprova a conversa entre o Papa e os dez jovens. A arte de rua que representa o Rei Carlos III problematiza sobretudo a relevância da monarquia para a sociedade atual e qual o benefício dos sucessivos aparatos da realeza para o sistema democrático e liberdade de expressão individual e coletiva. Aqui, a performance de “Puta da Silva”, performer brasileira imigrante, negra e LGBTQIAP+, realizada em frente à casa do Primeiro Ministro português, assume relevância por confrontar uma das principais estruturas de regulação da vida nacional com um mix discursivo de várias culturas e comunidades ditas periféricas. O projeto Manamiga, aparentemente a primeira escola feminista portuguesa, procura hibridações entre pedagogia e cultura para apoiar a comunidade e a revista Electra, que representa um caldeirão de diferentes perspetivas, visões de mundo e culturas. Estes sinais traduzem a exponencial mentalidade emergente de hibridação que desestabiliza os rótulos e confronta condições de vida desiguais, muitas vezes influenciadas pela polarização, ideologias hegemónicas e práticas de dominação. Procura-se participar na construção de uma sociedade democrática, cosmopolita, na qual não seja necessário, um dia, ter de dizer aos outros qual é a cor da sua pele ou quem é que se
ama, porque ninguém julgará a diferença do outro e sim, tratará o outro como humano, semelhante, apesar de cada voz, cada pessoa, cada tribo, cada cultura ser singular e digna de validação.

Articulação entre os padrões:
Os padrões falam de uma continuidade e fluidez nas orientações que a macrotendência Identidades Protagonistas articula. A crise das identidades individuais continua a aprofundar-se e a desdobrar questões (e, portanto, necessidades) cada vez mais específicas que dão sentido ao contexto global que estamos a atravessar enquanto humanidade. Interessa destacar um movimento que considera uma abordagem intuitiva e menos racional das relações dos indivíduos com o seu ambiente e que pode levar à configuração de uma nova tendência baseada na autodescoberta e na contemplação.
Os diferentes padrões demonstram também a necessidade da criação de uma identidade própria e única. Através das inovações tecnológicas e do bem-estar físico e mental, as pessoas são capazes de expressar a sua construção identitária e criam uma dinâmica de contra-rumo à sociedade tradicional, pouco volátil e conservadora. É na sociedade polarizada do século XXI que novas formas de expressão aparecem, como refúgio ou como instrumento de choque. As identidades protagonistas querem existir, querem-se ver representadas nas instituições e nos artefactos culturais e querem utilizar o espaço público para reclamar o seu direito.
O contexto atual, embora caótico e, como tal, gerador de tremenda incerteza, notória nafragilidade da saúde mental das pessoas, cansadas da desinformação, encontra caminhos inovadores na crescente hibridação cultural representada ao nível dos artefactos, representações e práticas sociais. Identidades cedem cada vez mais o lugar a subjetividades que expressam valores, necessidades e pertencem a múltiplas tribos, como a múltiplas raízes. O valor cultural dos discursos, como dos produtos e serviços, tão rápido junta como separa pessoas, originando empatia em vozes que hibridizam com outras vozes, quer posicionamentos fundamentalistas. As pessoas conversam mais sobre as liberdades pessoais enquanto tentam construir sentidos para as vantagens da inteligência artificial.

Diogo Araníbar, 2023:

1. Para além da razão: quero conectar-me: As polarizações parecem estar a atingir níveis tão extremos que se pode prever uma implosão, como quando dois elásticos se esticam tanto que acabam por se condensar no meio. A guerra, a escassez de recursos naturais, as grandes desigualdades na distribuição da riqueza tornam insustentável um modelo de comportamento baseado na compreensão racional destas contradições. Cada vez mais, o ser humano procura ouvir a sua voz interior e descobrir o verdadeiro significado do conceito de intuição. A empatia está a ser reconfigurada não só como uma bandeira de luta, mas também como uma experiência que procura pôr fim à distância abismal que separa os grupos mais polarizados. 

2. “Yeah! Give me more”:  Na procura de revelar todo o poder discursivo do corpo político, a sociedade exige um maior e melhor acesso ao conhecimento das práticas sexuais nas suas variantes mais detalhadas. Num mundo em que a explicitação é associada à grosseria, há um movimento de mudança que tem como objetivo tornar esta posição transparente e não dramatizada, falando e tocando em todas as questões relacionadas com a saúde sexual sem rodeios. Basta de eufemismos e desculpas, as pessoas querem “gozar” no sentido mais lato da palavra, dêem-me mais, quero conhecer todos os tesouros que a minha sexualidade tem para me dar e descobrir o meu potencial criativo através da estimulação das minhas próprias fantasias, num exercício de confiança e compreensão de que a sexualidade é uma dimensão comum a todos os seres humanos. 

3. “Don’t Say it Too Loud”: Ao mesmo tempo em que há uma demanda comunitária incontornável para dar destaque a questões relacionadas à raça, etnia, sexualidade, pobreza e inclusão, há um contramovimento paralelo, especialmente sustentado pelos media oficiais, que procuram relativizar ou até mesmo banalizar essas demandas. É o caso de vários meios de comunicação, tanto audiovisuais como escritos, que orientam a sua produção de conteúdos para espaços menos conflituosos, criando a falsa impressão de que a ordem atual das coisas é a natural e que, por isso, não há necessidade de sequer discutir questões que possam ser entendidas como “incómodas”. Este movimento ameaça o espírito crítico das pessoas e cria um ambiente de desconfiança e inimizade entre aqueles que têm posições diferentes sobre questões de valores díspares. 

4. Meta-minorias: Esta perspetiva apresenta duas variantes. Por um lado, temos uma procura urgente e crescente de oportunidades de representação identitária cada vez mais específicas, trazidas para os domínios do social, político e económico onde as identidades são moldadas sobretudo a partir de dois campos: as crenças e o acesso material. Por outro lado, esta mesma divisão constante da  sociedade em comunidades cada vez mais específicas gera uma polarização ainda maior, criando uma híper separação de espaços e comunidades, uma espécie de “minoria dentro de minorias”. Estamos, assim, perante o fenómeno das meta-minorias, que poderia representar o fim das minorias como um processo em que até as maiorias estariam tão fragmentadas e autorreguladas pela sua própria micropolítica que até o próprio conceito de minoria desapareceria. 

5. Um ou nenhum: o coletivo como individual. Depois dos vários acontecimentos históricos que nos levaram a deslocar muitas atividades da esfera pública para a esfera privada, e com a ameaça incipiente de um conflito global que nos poderia confinar de novo, fomos obrigados a passar mais tempo connosco próprios e, portanto, a descobrir, embora de forma forçada, essa voz interior que está sempre presente e nunca se cala. Se, por um lado, este facto trouxe uma maior consciência da importância da implementação e do desenvolvimento de estratégias e tecnologias ligadas ao bem-estar mental, por outro, evidenciou o conhecimento insuficiente que temos sobre o funcionamento da nossa própria mente e a sua importância para o estabelecimento de relações e laços humanos saudáveis. Este espaço de introspeção alargada leva-nos a desenvolver uma maior empatia ao compreender que todos somos afetados, em maior ou menor grau, pelos acontecimentos globais. Uma espécie de consciência planetária está a começar a tomar forma e baseia-se na empatia e na compaixão, compreendendo que o coletivo e o individual estão intimamente relacionados ao ponto de serem uma e a mesma coisa. 

José Pinto, 2023:

1. Máximo de Personalização.  Tendo em conta que o conceito de identidade parece insuficiente para explicar e compreender a complexidade do ser humano, é necessário realizar pesquisa de tendências socioculturais e recolha de dados empíricos e de trabalho de campo junto de pessoas, a título individual, alternando com dados obtidos em entrevistas de grupo ou focus group. É importante estudar aprofundadamente os valores e necessidades no discurso subjetivo, de forma a perceber os processos de identificação pessoais, ao mesmo tempo que se investiga os processos de relação social e de pertença a grupos e a comunidades. Assim, será possível comunicar de forma mais próxima a marca ao cliente.

2. Hibridação para Inovar. Investigar como é que a hibridação de conhecimentos de diferentes áreas do conhecimento, seja ele científico, artístico ou do senso comum, pode gerar inovação e traduzir-se na criação ou recriação de objetos culturais, sejam artefactos, representações ou práticas e rituais sociais, ou seja, no desenvolvimento ou melhoria de produtos e serviços. Ao nível da cultura organizacional, compreender como é que a hibridação cultural pode, através de projetos culturais com vista à partilha de conhecimentos, contribuir para aumentar índices de bem-estar nas equipas, alinhar das práticas e valores institucionais e, assim, humanizar a marca.

3. Autenticidade da Marca. Embora se promova e abra espaços de participação para identidades diferentes, os consumidores continuam a exigir cada vez mais autenticidade na forma como as marcas expressam as suas culturas. Mais do que representatividade cultural, pretendem que as marcas saibam e consigam falar a mesma linguagem do cliente, sem pretensões e apresentando uma bagagem de conhecimentos sólidos sobre a cultura que comunicam. Para tal, é necessário que o processo de pesquisa de tendências socioculturais seja levado a cabo com métodos de pesquisa cultural, tais como entrevistas, inquéritos, observação participante e coolhunting, de forma a ter informação suficiente e poder optar por ações de comunicação que promovam os valores e necessidades dos clientes.

4. Inteligência Artificial para Pesquisa. Perceber como se pode usar a Inteligência Artificial ainda vai demorar algum tempo e, sobretudo muita pesquisa sobre vantagens e desvantagens deste novo instrumento. Contudo, tendo em conta que a ferramenta acede a uma das maiores bases de dados do mundo, é interessante explorar a sua capacidade para pesquisar referências e dados. Isto representa uma poupança de recursos e de tempo, isto é, menos gastos, o que será compensado no momento da sistematização, análise e aplicação da informação. Ao longo deste ano, com certeza que novas oportunidades, aplicativos e novidades neste campo surgirão, por isso é essencial manter uma pesquisa constante sobre este tópico e compreender como isto está a impactar realmente a vida das pessoas.

5. Integrar ciência nas Decisões. Integrar cada vez mais conhecimentos científicos nos processos internos e de branding, isto é, ao nível do planeamento estratégico de gestão da instituição e ao nível das ações de comunicação com os clientes. O excesso de desinformação online, sobretudo nas redes sociais, tem levado a que a maioria das pessoas passe a desconfiar das notícias e textos que lê. Consequentemente, isto tem efeitos negativos na relação da marca com os seus públicos, o que é preciso trabalhar e reverter, passando a tomar a maioria das decisões com base em pesquisa e análise de dados com evidências científicas e provindos de fontes credíveis.

Macro Tendências Ligações Ergonómicas

Sumário: Cada vez mais, o foco está nas articulações entre utilizador, “gadget” e potencialidades de controlo/ação, bem como no fim das fronteiras entre as realidades física e digital, que sugerem uma promessa de hibridismo em construção.

Cada vez mais, o foco está nas articulações entre utilizador, “gadget” e potencialidades de ação sobre a(s) realidade(s) que habitamos. A promoção de um acesso facilitado/total e de dispositivos que servem como extensão do corpo humano, possibilitando o fim das fronteiras entre as realidades física e digital: uma promessa de hibridismo e de convergências ainda em construção.

Tópicos do Zeitgeist: Phygital; Simulacro; IA; Vigilância; Identidades; Trabalho; Liberdade; Acesso.

MACRO // LIGAÇÕES ERGONÓMICAS

Descrição: Articulações e realidades estão a tornar-se as duas palavras-chave que estão a mudar um largo número de dinâmicas. O desenvolvimento tecnológico aposta em articular funcionalidades para os diferentes estilos de vida dos consumidores e utilizadores. Do trabalho híbrido às aulas online, são várias as manifestações que procuram uma maior articulação entre escola, trabalho, família, lazer, e outros momentos da nossa vida.
Os diferentes dispositivos promovem uma convergência entre funcionalidades, fisicalidades e estilos de vida, sublinhando a internet das coisas, muitas vezes com uma faceta de entretenimento ou até de “gamificação”. Assim, é cada vez mais clara a articulação entre estilos de vida, acesso facilitado/total e dispositivos que servem como extensão do corpo humano, sugerindo até uma naturalização do processo e o fim das fronteiras entre soluções das realidades física e digital. O fim destas fronteiras altera a forma como trabalhamos, como desfrutamos do lazer, como comunicamos e como vemos a própria realidade. As nossas realidades e identidades digitais tornam-se tão importantes, ou mais, do que as físicas: são o espaço de dinâmicas comunitárias, de acesso, de promover a voz, de criar e de ser noutro contexto. Um acesso desenhado para as necessidades e desejos de cada indivíduo e de cada comunidade ao nível dos diferentes espaços e momentos do quotidiano. Aliás, transferimos muitas atividades que antes só fariam sentido, ou considerávamos viáveis, no físico para o digital.

Micro Tendências Associadas: A pressão do Agora; Detox Digital; Digitalização dos Estilos de Vida; Pressão da Curadoria Perpétua.

Beatriz Henriques, 2023:

 3.1 Uma realidade cada vez mais digital – A destruição contínua da fronteira entre o mundo digital e o físico
Sinais relacionados: Meta Quest Pro; Crescimento do E-Commerce; Le Petit Chef; Dublin Discovery Trails; Pokemon GO Sleep; Tuvalu no Metaverso;  Urduliz (ensino); Bershka – provadores de realidade aumentada; World ID (passaporte digital);  “We Met in Virtual Reality” (documentário); Rosalia Live Performance; Project Starline Google; House of Legends (ensino).
Descrição: Cada vez mais, o mundo físico e o mundo digital estão interligados. O mundo digital está a ‘invadir’ o espaço físico com certas ferramentas, como a realidade virtual, e certos objetos que, até há uns anos atrás, estavam exclusivamente presentes no espaço físico – não só estão a ser replicados e melhorados no espaço digital, como se estão a extinguir na sua forma original – para alguns, o ‘dinheiro vivo’ é inconveniente e está a cair em desuso; os passaportes em papel podem parar de existir com o desenvolvimento de novas tecnologias de identificação (World ID); ir às compras e experimentar roupa caracteriza-se como um desperdício de tempo quando é possível faze-lo mais rapidamente e com menos desconforto; o ensino tradicional, através da ajuda da tecnologia e como uma das consequências da pandemia, está alterado e a revolucionar-se no espaço digital; atividades culturais, como os concertos, desafiam a sua definição original através dos seus novos formatos. 

3.2. As distopias tecnológicas – Preocupação crescente sobre o futuro automatizado
Sinais relacionados: “Cyberpunk Edgerunners” (série); CEO da Google compara A.I. a poder nuclear; “Severance” (série); Descodificador de pensamentos com A.I. (universidade de Austin); NATO – programa de defesa cibernética; Países G7 – preocupação com A.I.; Yuval Harari – A.I. vai destruir a democracia
Descrição: A progressão acelerada de novas tecnologias, nomeadamente a inteligência artificial, e as preocupações que trazem consigo não são algo de agora. No entanto, os desenvolvimentos mais recentes têm desafiado o nosso quotidiano e põem em questão o futuro do nosso mundo e que alterações a longo prazo é que esta tecnologia trará. No centro das dúvidas estão as questões éticas, sobre até que ponto é que o desenvolvimento é aceitável, mesmo que comprometa os direitos das pessoas. Um decodificador, com recurso a I.A., capaz de interpretar pensamentos; uma inteligência artificial em constante progresso e sem uma análise conclusiva dos seus limites; e a substituição de cargos, até agora desempenhados por humanos, por máquinas mais eficientes, pintam uma imagem de receio sobre o que virá a seguir. 

3.3 O mundano já não é humano
Sinais relacionados: Chef GPT; Restaurante Estação Menina Bonita; Clone Robotics; Drones em Benidorm; Sensei – lojas inteligentes; Punchlines.AI; Robô labrador; Jornal i (edição escrita por A.I.); Runway AI vídeos; Grimes aprova o uso de vozes com A.I.
Descrição: As pequenas coisas, as que definem, na sua brevidade e simplicidade, o que é ser humano, aparentam estar a entrar num período de extinção. Não é novidade que certas funções estão a ver os humanos a serem substituídos por robôs e outras tecnologias, que, embora possa ser uma injustiça devido ao desaparecimento de múltiplos empregos, tem como sua defesa a lógica de ser uma forma mais lucrativa e eficiente de desempenho laboral. Mas a tecnologia não se tem só limitado ao que é essencial, pois agora até a mais simples das coisas está pronta para ser remodelada. Isto poderá derivar dum fascínio de ver algo novo, de ver algo tão comum passar a ser incomum, do orgânico para o mecânico. Empregados de mesa (Restaurante Estação Menina Bonita), humoristas (Punchilnes.AI), jornais (Jornal i), cantores, cozinheiros (Chef GPT) e até cães (Robô labrador) já encontraram os seus futuros substitutos. 

3.4 A tecnologia ao serviço do ativismo ambiental
Sinais relacionados: ESI Robotics (cortiça); Tecnologia satélite na agricultura (Nigéria e Traulitânia); Nova forma de produzir hidrogénio sem emissões de carbono (start-up americana); Hyperloop (transporte com emissões zero); Drone que localiza incêndios (IST- Coimbra e Força Aérea); Neoplants; Greenvolt; Maior central fotovoltaica da Europa em Portugal
Descrição: Uma das grandes lutas dos últimos anos é a questão do ambiente e a sua constante degradação como resultado da atividade humana. O progresso tecnológico tem provado ser um aliado da humanidade, sempre a pensar em soluções para o dano que tem sido causado ao nosso planeta, especialmente nas últimas décadas com as alterações climáticas e aumento dos desastres naturais. Muitas das novas inovações estão focadas em reduzir as emissões de carbono (Hyperloop), melhorar a qualidade do ar (Neoplants) e oferecer métodos mais sustentáveis de produção (ESI Robotics). Os governos e as grandes empresas, ou por um esforço genuíno de consciencialização ou por uma campanha social para ganharem o favor do público, têm apoiado o desenvolvimento de tecnologias mais sustentáveis para alterarem as suas práticas mais poluentes. 

3.5 O bem-estar e a inovação dependentes dos avanços tecnológicos
Sinais relacionados:
App Abispa-te; Wearable health devices; U-scan withings; Google little signals; Operação à coluna (Hospital Francisco Xavier); App Lungy; BioNTech (imunizante contra o cancro); Wheely-X-Super-Treadmill; Diagnóstico rápido de glaucoma com A.I. (Hospital Santa Maria); Sistema de informação Shengen (SIS); Cirurgia 5G (centro clínico Champalimaud); NoWatch; German Bionic Gray X
Descrição: Muitas das novas inovações e tecnologias não só têm o objetivo de facilitar a nossa vida como também melhorá-la. Constantemente, são testados e desenvolvidos sistemas e gadgets para rastrear o estado físico (U-scan withings) e mental (App Lungy) do seu utilizador e, em procedimentos médicos complexos, auxiliar os profissionais de saúde de forma a assegurar um processo mais seguro e com menos tempo de recuperação para o paciente, tal como aliviar alguma da pressão que os profissionais possam sentir durante estas operações. O desenvolvimento destas tecnologias que, ao demonstrar, ultimamente, uma efervescente preocupação nesta área, tem provado ser uma mais-valia, com promessas de revolucionar o campo da medicina. 

Ke Chen, 2023:

3.6. A tecnologia tem um impacto maior na estrutura do mercado de trabalho. A tecnologia vai impulsionar mudanças profundas na estrutura do mercado de trabalho, incluindo a demanda por mão de obra, as habilidades necessárias e as formas de organização do trabalho, e até mesmo pode levar a uma reconfiguração da divisão social dos recursos. Desde o seu lançamento no ano passado, o ChatGPT tem gerado atenção e controvérsia. Ele automatiza tarefas anteriormente realizadas só por humanos1 e pode realizar produção analítica (Coolhunting sobre o Jornal i ChatGPT), e em alguns casos até mesmo exercer a gerência da empresa, tornando os humanos os seus subordinados (Coolhunting sobre o ChatGPT como Diretor Executivo). Isso também tem levantado preocupações sobre a possibilidade de substituição dos seres humanos pela IA. Por outro lado, o desenvolvimento da realidade mista está a tornar cada vez mais conveniente e as formas de trabalho organizadas online, como coworking virtual e colaboração remota, estão cada vez mais aparecidas aos ambientes reais (Coolhunting sobre Meta Quest Pro). No entanto, isso também nos leva a refletir se a maior liberdade de tempo e espaço de trabalho significa a falta de monitorização da duração do trabalho, possibilitando a ocorrência de prolongamentos ocultos. De qualquer forma, é inquestionável que a tecnologia vai ter um grande impacto na maneira como trabalhamos.

3.7 A capacitação da Tecnologia. O uso cada vez mais acessível das novas tecnologias parece permitir que um número crescente de pessoas tenha acesso ao conhecimento que antes era exclusivo de profissionais nas áreas específicas. A análise do marcador de saúde já não são mais um privilégio dos médicos (Coolhunting sobre PUNCHLINES.AI), e a criação artística não é mais restrita aos artistas (Coolhunting sobre a maior tela pintada por robots.); basta um comando e qualquer pessoa pode criar uma obra de arte. A flexibilização do privilégio do conhecimento também pode trazer algumas mudanças na estrutura de poder. A tecnologia também pode ser uma extensão da inteligência humana (Coolhunting sobre 42 Urduliz.). Talvez estejamos realmente a caminhar para um mundo onde a tecnologia torna todas as pessoas mais iguais.

3.8 A Reconstrução da Realidade. A tecnologia parece fazer-nos viver num mundo virtual que é mais real do que a realidade. As pessoas podem experimentar a intimidade através da tecnologia da realidade acentuada (Coolhunting sobre Project starline). Esta tecnologia também é promissora para melhorar outras experiências sensoriais, esbatendo ainda mais as fronteiras entre o mundo físico e o mundo digital. Além disso, a IA pode dar a qualquer pessoa a capacidade de criar e manipular facilmente as imagens, por vezes não para a criações artísticas surreais, mas para criar imagens relativamente reais, mas falsos para satisfazer as expectativas das pessoas sobre algo, reconstruindo a realidade por esta forma. Ver nem sempre é acreditar, mas pensar pode ser acreditar neste caso.

3.9 A Extensão e a Sobreposição do Espaço. Estamos a experimentar uma extensão do nosso espaço, por causa do fim das fronteiras entre o mundo físico e do digital. Através do metaverso, podemos ter um espaço infinito em nossas casas e participar de atividades como desportos e até mesmo atletismo (Coolhunting sobre Wheely-X), que exigem o espaço, a liberdade e a capacidade de movimento. Também podemos desfrutar de maior liberdade e atividades ilimitadas dentro do espaço digital (Coolhunting sobre Banned Books in the Metaverse). De certa forma, o metaverso é como o núcleo mencionado por Hamlet, onde mesmo em um espaço limitado, podemos imaginar-nos como reis do espaço infinito. Portanto para mim, não é só isso. Os dois espaços estão a entrar numa situação de sobreposição devido ao desenvolvimento do conceito da realidade híbrida, através da forma de realidades gamificadas. Apesar de ficar no espaço físico, enfrentando às realidades frustradas, os conceitos da gamificação que antes só existe no espaço digital pode ajudar a aliviar a tensão e melhorar a concentração.

3.10 A Questão da Identidade Humana. A inteligência artificial quase alcançou as capacidades comparáveis às dos seres humanos. Então, qual é a diferença entre a IA e os humanos? Essa é uma questão que as pessoas estão considerando atualmente, envolvendo não apenas a reflexão sobre a identidade da IA, mas também sobre a própria identidade humana. Essa reflexão também se aplica a outros aspetos, muitos acreditam que a arte criada pela IA é baseada na imitação e não reflete nenhuma criatividade. No entanto, partindo apenas da perspetiva dos consumidores, será que os produtos culturais realmente precisam do envolvimento humano para serem apreciados? Essas reflexões sobre a identidade humana e os valores que os humanos consideram importantes estão constantemente surgindo nas discussões devido ao avanço da IA, e eventualmente irão impulsionar uma maior transformação nas mentalidades do público.

Articulação final entre os padrões:
A ligação entre gadget e humano está em constante evolução e a dependência da humanidade na tecnologia cada vez mais notável e, em alguns casos, preocupante. Práticas e costumes encontram-se em contínua mutação como resultado da progressiva automatização da sociedade. Para além de facilitar e melhorar diversas situações, nomeadamente no campo médico e ambiental, põe em questão o que é ser humano e qual é o propósito e o impulso para manter vivas certas práticas quando uma máquina as consegue replicar e com menor margem de erro. A distinção entre o que é mecanismo e o que é humano torna-se gradualmente mais complexo de definir.
Os padrões 3.6 e 3.7 enfatizam a influência do desenvolvimento tecnológico na desconstrução e reconstrução do regime do poder, podendo afetar o estilo de vida das pessoas por meio da reprodução do poder. Embora seja difícil determinar se isso trará um futuro mais justo e esperançoso, pois o empoderamento tecnológico também implica na perda de muitos postos de trabalho. Os padrões 3.8, 3.9 e 3.10 estão principalmente relacionados à questão de como a perceção das pessoas vai mudar quando a divisão entre o mundo físico e o mundo digital se dissolver ainda mais.

Beatriz Henriques, 2023:

1. A preocupação ambiental que o setor tecnológico tem apresentado abre portas para inúmeras possibilidades – um movimento que é continuamente apoiado pela população, que está cada vez mais sensibilizada neste tópico. Demonstra um incentivo para continuar a procurar por respostas mais eficientes e inovadoras para um dos grandes problemas da atualidade, de proporcionar uma oportunidade para que o progresso humano não seja comprometido e consiga beneficiar destes avanços. Práticas empresariais ou governativas que façam uso de medidas sustentáveis criam uma imagem persuasiva e apelativa para o público das entidades que as põem em uso. 

2. Gadgets que replicam certos comportamentos que consideramos simples e comuns têm feito sucesso ultimamente. Robôs que servem às mesas ou que substituem animais de estimação são alguns dos exemplos que podemos encontrar. Estes gadgets oferecem uma nova perspetiva e transformam objetos que já faziam parte do nosso quotidiano em artefactos entusiasmantes e revolucionários. 

3. Os limites da realidade estão a ser sucessivamente desafiados. O potencial deste tipo de gadgets, desencadeado pelo sucesso de Pokémon GO, não mostra sinais de desaceleração. A imersão do digital no mundo físico revela atrair o interesse da população e ainda se desconhecem todas as possibilidades desta tecnologia. 

4. A pressão do agora: vivemos num mundo onde tudo decorre a um passo acelerado, e aqueles que não se adaptam ficam para trás. Sair para ir às compras, jantar fora, ir ao cinema, entre outras atividades, são vistas como um desperdício de tempo na vida citadina. Na ponta dos dedos temos acesso a tudo o que poderemos desejar, sair de casa já não é uma necessidade, mas sim uma inconveniência. 

5. Produções culturais distópicas originam de uma genuína preocupação com o destino da humanidade, neste caso como consequência do desenvolvimento tecnológico não controlado e não sancionado. É percetível o receio que existe quando se imagina o futuro que nos espera e o papel determinável e inevitável que a tecnologia terá. Como tal, mais produções que envolvam este tópico parecem sempre gerar uma espécie de fascínio e interesse por parte das audiências, dada a sua conexão com a realidade.

Ke Chen, 2023:

1. O nosso estilo de vida está a tornar-se cada vez mais digital, o que também se reflete em nossa percepção do espaço. A distância deixa de ser um problema, mesmo na construção das relações, pois poderemos compensar a falta de encontros pessoais usando a tecnologia de realidade mista. Isso também significa que o corpo físico está cada vez mais sujeito à influência atomizada.

2. A busca por respostas também é afetada pela pressão do agora. O ChatGPT é uma ferramenta que pode fornecer respostas para qualquer pergunta em questão de segundos, e a sua popularidade reflete essa repressão. Em vez de procurar as respostas por si mesmos, as pessoas estão a transferir cada vez mais o trabalho de pensamento para a IA.

3. A narrativa está cada vez mais entrelaçada com uma ampla gama de materiais digitais generativas, construindo uma realidade parcial de forma mais convincente. Estamos face a uma era em que precisamos constantemente acompanhar tudo na internet, mas nem tudo é uma representação completa da realidade, sendo filtrado pelos influenciadores.

4. A digitalização das tribos urbanas atende à nossa expressão de identidade, o que significa que talvez não precisemos mais nos empenhar em buscar reconhecimento no mundo físico. O mesmo ocorre com as opiniões pessoais, muitas informações não vão ser comunicadas no mundo físico, circulando apenas na internet. Isso resulta em uma diferenciação de informações entre o mundo físico e o mundo digital.

5. As Aplicações de detox digital surgem em resposta à demanda pela desconexão, porém muitos dessas aplicações são projetados de forma gamificada, um conceito digital. Durante a pandemia, a importância dos dispositivos também se popularizou entre a população idosa. A tecnologia é uma extensão do ser humano, e uma vez que ela estende, é difícil voltar atrás.

Macro Tendências Sistemas Sustentáveis

SumárioDa ideia de sustentabilidade ainda influenciada por ideias pré-2012, passamos para uma sustentabilidade regenerativa que devolve ao meio e sublinha não só o papel individual de cada um, como também das comunidades, dos governos, empresas e demais instituições.

Já não basta reduzir o impacto após o final do ato de consumo ou durante o processo de produção, a mentalidade emergente por trás da sustentabilidade propõe agora atividades e estratégias para reverter o impacto negativo já causado e começar a contribuir de forma ativa e positiva para (i) a recuperação do meio ambiente, numa lógica inversa à da simples contenção dos danos diariamente causados; (ii) a sustentabilidade dos sistemas/estruturas sociais e dos modos de vida; (iii) novas formas de produção com impacto positivo, onde a própria ideia de reaproveitamento pode despertar a atenção, o interesse e a discussão entre grupos e gerações.

Tópicos do Zeitgeist: Ambiente; Energia; Crise; Apocalíptico.

MACRO // SISTEMAS SUSTENTÁVEIS

Descrição: A preocupação com a sustentabilidade surge a partir da constatação da finitude dos recursos naturais, o desperdício descontrolado, o consumismo e outros fatores que atuam como causas da degradação do meio ambiente. Estas questões são paradigmáticas do momento e o próprio contexto de pandemia levantou questões sobre os resultados do confinamento e do desconfinamento. Contudo, em destaque surge também o debate sobre a sustentabilidade do sistema socioeconómico. Este contexto colocou sobre a mesa os problemas críticos sobre a forma de trabalhar, de estudar e de fruir, pelo que surge um sentimento coletivo de urgência. Esta tendência pode ser observada em padrões ao nível do comportamento individual, na elaboração de legislação, na gestão, no design, na moda, nos diversos setores. Procuram-se inovações e soluções que permitam uma maior colaboração para que seja possível encontrar soluções sustentáveis para o desenho societal atual e para o modelo que conhecemos. Aqui os agentes são indivíduos, organizações e empresas que estão a adotar atitudes sustentáveis. Nas suas diversas naturezas, da ecológica à socioeconómica, não se trata de uma tendência grupal, mas sim de uma mudança de paradigma antes restrito a certos grupos e hoje amplamente debatido.
A sustentabilidade é uma pauta central. Com mais informação a circular, vemos uma crescente mutação nas atitudes e nos comportamentos. Mas a sustentabilidade não se restringe apenas a uma mudança na forma de produção e de consumo, visto que há lugares que trabalham a questão, promovendo uma nova maneira de as pessoas se relacionarem com o contexto atual e com o ambiente. Essas novas relações de interdependência demonstram uma ineficácia de muitas políticas para o impacto zero. Isto estimula tanto indivíduos como organizações a encontrarem soluções em relação ao impacto positivo e recuperação do meio ambiente. Este é o ponto mais importante e atual da tendência: já não basta reduzir o impacto após o final do ato de consumo ou durante o processo de produção, a mentalidade emergente por trás da sustentabilidade propõe agora atividades e estratégias para reverter o impacto negativo já causado e começar a contribuir de forma ativa e positiva para (i) a recuperação do meio ambiente, numa lógica inversa à da simples contenção dos danos diariamente causados; (ii) a sustentabilidade dos sistemas/estruturas sociais e dos modos de vida; (iii) novas formas de produção com impacto positivo, onde a própria ideia de reaproveitamento pode despertar a atenção, o interesse e a discussão entre grupos e gerações.

Micro Tendências Associadas: Ecochamber 2.0; Cooperação Regenerativa; Organismo Colaborativos Urbanos.

Rita Dias, 2023:

4.1 Ecocuidado. A sistematização de dados (PEST, Relatórios Coolhunting, Análise de Conteúdo, Análise do Circuito da Cultura) releva a manutenção da visibilidade de um ecodespertar comunitário e individual. As mudanças climáticas e a escassez de recursos são temas aos quais os indivíduos se sentem mais emocionalmente ligados. Da rederegulatória e ambiciosa da UNESCO com os seus “17 Objetivos de DesenvolvimentoSustentável (ODS de 2015 a 2030)”, no essencial “uma lista das coisas a fazer em nomedos povos e do planeta”, até aos sinais e evidências mais concretas analisadas nestepresente estudo. Dizem respeito, ora a ações de responsabilização crescente dos indivíduos, governos e empresas relativamente ao seu impacto ambiental, ora a empresas pré-existentes que converteram as suas práticas antigas e startups que conquistam os mercados justamente pelas suas alegações e práticas ecológicas. A regulamentação(prevenção ou remediação) tende a ser reforçada por parte dos governos no que toca àsmigrações, tecnologia, crise e justiça climática, saúde e Bem estar e a práticas desustentabilidade (empresarial e individual). Este padrão configura a exigência crescente dos indivíduos (sobretudo jovens) relativa ao impacto de decisões tomadas por entidades públicas/privadas. O questionamento, aconsciência e a (in)formação disponibilizada aos públicos, a vários níveis, exigem a cadavez mais “rastreabilidade” das ações dessas organizações, como já registado peloLaboratório antes, “a crise ambiental e os desafios económicos e sociais ganharam maisrelevância (…) nas perceções coletivas” (Gomes, 2022). Ouvir as pessoas já não é suficiente, pelo que tem havido no coletivo um espaço de comando que guia: ações, posicionamentos, cocriações, inovação, dinâmicas de consumo, pressões para mudanças legislativas e sociais. O coworking manter-se-á (Gomes, 2022) a par da vontade do trabalho por conta própria em torno de propósitos próprios e sustentáveis. A guerra e todo o largo espectro de consequências que daí surgem (sobretudo a Inflação) têm mobilizado as preocupações e “o cansaço do futuro” (Gomes, 2023), já sentido com a pandemia, veio a reforçar-se. Alguns exemplos de evidências socioculturais: Sony link Buds, Meta Quest Pro,Jetson Car, The Last of Us (série), Cyberpunk Edgerunners (anime), The Precipice -Neoliberalism de Noam Chomsky e C.J. Polychroniou, Neoplnats, Clone Robotics,Woman King (filme).

4.2 Mindset – Biotecnologia. Este padrão revela um reforço importante no desenvolvimento e instrumentalização da tecnologia aliada à sustentabilidade (por exemplo a IA) não só para a resolução de problemas resultantes da guerra, mas também para minorar o medo do futuro, do impacto ambiental da ação humana no Planeta em geral, para a re-ligação ao Eu, ao Bem Estar, ao Desenvolvimento Pessoal e ao próprio Meio. Ciência e Tecnologia estão mais do que nunca alinhadas para solucionar problemas de saúde, produção agrícola, localização de incêndios, rentabilizar recursos naturais, preservar ecossistemas e a biodiversidade, aumentar a produtividade laboral e promover a inclusão. A maior parte das grandes iniciativas de investimento tecnológico tem sido das empresas eco-preocupadas que estão cada vez mais conscientes do impacto que geram na sociedade e no planeta. Um movimento cool que se vai reforçando. Salienta-se o esforço crescente de regulação dos governos nesta era tecnológica, sobretudo nos desafios éticos que ela coloca. Alguns exemplos de evidências socioculturais: Chat GPT, Hynerloop, U-Scam Withings, App Lungy, German Bionic Cray X, Jetson Car.

4.3 Agenda do Bem Estar. Os sinais mostram que os indivíduos e as empresas estão cada vez mais conscientes dos benefícios de se estar próximo da Natureza para o equilíbrio interno. Num mundo altamente tecnológico emerge uma nova era de conexão com a Natureza (com ou sem tecnologia) – experiências solitárias, grupais, em casa ou nos espaços públicos.Abundam as ressignificações de práticas ancestrais baseadas na espiritualidade da natureza para o Bem Estar. O sentido de comunidade com pessoas que também almejam o crescimento interior, o apoio à saúde mental e a discussão da ética partilhada. A crise climática alimenta este ímpeto. Alguns exemplos de evidências socioculturais: Chatgpt, FrenchVeggies (McDonalds), Sony linkBuds, Capitalism and the Death Drive de Bjung Chui-Han (livro), Neo Plants, Wordle, Studio Rise, PokemonGo Sleep, Anti-Hero ((videoclip), App Lungy, Quem tem medo das Emoções (Livro), German Bionic Cray, Google Little Signals.

4.4 Cidadania e Equilibrio Ambiental per Capita. As crises vividas pós-pandemia tornaram clara a ineficácia dos governos e reforçaram o poder da ação coletiva. Por outro lado, a pressão da comunidade junto dos governos e empresas e o trabalho cooperativo empresas/governos nem sempre ocorre na velocidade certa. Num reforço de identidades, da necessidade de pertença, de segurança e de propósitos, os sinais mostram-nos mais ligações pós-pandemia numa vida sustentável, na diversidade étnica, etária e socioeconómica. O retorno às origens, promoção do bem estar individual, a reconexão com as emoções são demandas individuais e dos coletivos comunitários. Alguns exemplos de evidências socioculturais: Lojas com História, Neoplants, O Lixo em Portugal (livro), North Music Festival, Água dasPedras (Pub) Manamiga, French Veggies McDonald´s.

4.5 Performance Ecoempresarial. Tendo presente o sonho da “cultura colaborativa assente no património, na tecnologia e no digital” que o Relatório (2022) do Laboratório de Tendências já apontava, o legado de crise contextual está a limitar a capacidade dos governos de continuar a apoiar as sociedades em tempos de incerteza, escassez e risco. Os sinais analisados mostram que são as empresas que desempenham um papel mais preponderante na resolução de questões críticas, desde os desafios climáticos e ameaças à biodiversidade até às crises sociais e económicas, ora reconvertendo as suas práticas(caso sejam empresas pré-existentes), ora iniciando novas, com produtos e resultados eco-sustentáveis (startups). Opera-se uma contínua desconfiança sobre os sistemas políticos, cada vez mais desacreditados. A capacidade comunitária de envolvimento comas empresas e ativos será uma alavanca fulcral e necessária para criar valor. Alguns exemplos de evidências socioculturais: Chat GPT, Água das Pedras (Pub),Lojas com História, Jetson Car, Neoplants, HyperLoop, U – Scan Withings, AppLungy, German Bionic Cray X.

Articulação dos Padrões:
Num mundo cada vez mais mais informado acerca dos desafios ambientais, o eco cuidado tem sido essencial para a sociedade contemporânea. A busca por soluções sustentáveis tem sido impulsionada pela aplicação da biotecnologia, que oferece alternativas inovadoras para promover o equilíbrio ambiental e o bem-estar do indivíduo e da comunidade. Envolve uma visão holística, que reconhece a interdependência entre todos os seres vivos e o ambiente em que habitam. Nesse contexto, a Tecnologia emergiu como uma aliada fundamental, mobilizando conhecimentos científicos para desenvolver práticas e processos que minimizam os impactos negativos da atividade humana. Ao unirmos os padrões: ecocuidado e biotecnologia, vemos serem exploradas soluções inovadoras a ritmo acelerado que promovem o bem-estar daspessoas e do planeta. A regulamentação dos Estados e Organizações Internacionais têm procurado acompanhar este ritmo frenético das mudanças e inovações. Foram vários os sinais trazidos, por exemplo de produtos ecoamigáveis, concebidos com matérias-primas biodegradáveis e sustentáveis que não reduzem apenas o impacto ambiental, mas também proporcionam benefícios para a saúde e o bem-estar dos indivíduos (incluindo o setor da saúde e da alimentação). Novas terapias, medicamentos e alimentos funcionais são desenvolvidos biotecnologicamente, proporcionando benefícios diretos para a saúde e o equilíbrio do organismo humano indo ao encontro das lógicas mais subjetivas do autocuidado (mitologia doEu). Houve sinais, objetos e práticas que mostraram que a educação e a disseminação de informações (publicidade, por exemplo) estão a ser fundamentais para que os indivíduos compreendam, até de uma forma emocional, seu papel como agentes ativos na preservação do meio ambiente e na promoção do bem-estar coletivo. Nesse sentido, acidadania desempenha um pilar crucial. Ao mesmo tempo, as empresas são veículo importante no impulso e manutenção no processo de mudança que urge, promovendo a sua performance ecoempresarial, ou seja, adotando práticas empresariais alinhadas com os princípios do ecocuidado e da sustentabilidade.

Articulação dos Padrões:
Estes cinco padrões estão bastante ligados, uma vez que demonstram os principais focos de mudança nos estilos de vida da sociedade contemporânea. A guerra, a tecnologia que nos aumenta, e também retira tempo, a preocupação com o eu, a sua identidade, bem-estar físico e mental. Todos estes padrões se relacionam entre si e demonstra que a sociedade contemporânea se está a dirigir para algo muito específico, o seu autorreconhecimento e melhoramento, numa vontade de que o mundo seja um lugar melhor para se viver, mudando o seu foco e ambição, fazendo com que o seu estilo de vida se enquadre numa lógica de que para estarmos bem com o outro, precisamos de nos sentir bem connosco, motivando-nos a fazer mais e melhor.

Rita Dias, 2023:

1. A sustentabilidade é uma questão cada vez mais percepcionada como inevitável e global. Ainda que de forma diferente, todos temos exposição aos impactos, não só ao aquecimento global, aos danos ambientais, mas também aos discursos e concretizações políticas e económicas adotadas para enfrentar suas causas. 

2. As ameaças climáticas são fruto das tensões sistémicas e crescentes entre a demanda de uma população global maior, mais rica e mais faminta e os recursos finitos do mundo para a sustentar. As designações políticas perdem força, pelo que é o ramo empresarial que vai dar mais respostas aos problemas crescentes. As assimetrias mundiais estão mais visíveis do que nunca. 

3. Ao nível humanitário, a Guerra e a Pobreza são uma ameaça latente e, por falta de resposta das instuições governamentais, as tensões sociais crescem. As empresas estão sob pressão para garantir a proteção das pessoas vulneráveis, por outro lado há um escrutínio maior das comunidades sobre os sistemas políticos. Tal como já apontava o Relatório de 2022, essa pressão compromete a confiança do indíviduo nas lideranças políticas que, por sua vez, fazem migrar a responsabilidade para as empresas.

4. A Regulamentação local, nacional e da UE regista constantes reforços e desafios, e deve aumentar as demandas por mais transparência, honestidade e clareza nos propósitos, promessas e práticas sustentáveis por parte de todas as iniciativas públicas e privadas. 

5. O largo espectro do campo de ação a que chamamos Sustentabilidade é cada vez mais encarada como capital de negócios, que conduzirá a estratégia das empresas a práticas ambientais positivas, (tendo em conta recursos humanos, equidade, inclusão e diversidade). Assim, é prudente e visionário o uso intensivo e investimento em novos processos e tecnologia, a fim de que uma realidade sustentável seja possível. 

6. A tecnologia de IA pode ajudar a avaliar a evolução de padrões de referência da sustentabilidade e priorizar áreas de melhoria nos diferentes domínios, já apontados acima. A tecnologia de IA pode desempenhar um papel crucial no combate aos efeitos das alterações climáticas, por exempo ao combinar a IA com dados humanos, meteorológicos, climáticos e operacionais, torna-se mais fácil correlacionar e gerir os riscos climáticos, sociais e económicos que afetam o progresso dos objetivos dos países, das entidades que os governam e das empresas. 

Macro Tendência Redesenho de Estilos de Vida

Sumário: Esta tendência sublinha as mudanças nas práticas, mentalidades e comportamentos que estão a surgir nos coletivos fruto das diferentes crises que assolam a Europa nos últimos anos (pandemia, guerra, inflação, energia, efeitos das alterações climáticas, entre outras).

Esta é uma macro tendência profundamente afetada pela pandemia, pelas guerras, pela fome, pelas desigualdades, pelas alterações climáticas, pela dificuldade em alcançar estabilidade financeira, entre outras crises como a inflação e o medo da IA. A grande mudança prende-se com os sentimentos negativos que surgem com o fim de uma crise para se entrar logo de seguida em novas, chegando a um momento de resignação . Neste contexto, perdemos a esperança no(s) futuro(s) e nos cenários que nos apresentam, fruto do trauma de tantas crises seguidas. Já não é apenas uma questão de promoção da distopia, mas um abalo muito forte na prospeção positiva por um futuro melhor. A reconstrução de um mundo melhor e mais justo parece, agora, mais uma utopia e sonho coletivo que rapidamente vai caindo no esquecimento. Vivemos em tempos em que não há mais uma fronteira nítida entre o possível e o inimagináve: são tempos de reação mais do que açãol.

Tópicos do Zeitgeist: Democracia; Desigualdades; Pós-Pandemia; Crise; Guerra; Inflação; Energia; Vigilância; Política; Horror; Corrupção; Apocalíptico.

MACRO // Redesenho de Estilos de Vida

Descrição: Esta é uma macro tendência profundamente afetada pela pandemia, pelas guerras, pela fome, pelas desigualdades, pelas alterações climáticas, pela dificuldade em alcançar a estabilidade financeira, entre outras crises como a inflação. Este é ainda um processo de mudanças visíveis que, para alguns, sugere até numa reestruturação da globalização. Perante o contexto dos últimos meses, estamos a ver uma luta pelo controlo do tempo entre entidades e indivíduos, cada um a tentar controlar a alocação de horas e de espaços para atividades, entre tarefas e lazer, algo muito claro num contexto laboral. 24 horas já não são suficientes. No trabalho e do lazer, parecem existir forças para recuperar as práticas pré-pandemia. O controlo do que está ao meu alcance, a organização e a disciplina pessoal são formas de lidar com uma falsa sensação de segurança, pois as alterações decorrentes do passado recente e do próprio presente obrigam a uma procura pelo equilíbrio. Assim, está em discussão o trabalho híbrido ou remoto, a construção de soluções de formação híbridas, os momentos em família no metaverso, a alimentação, entre outros. Para além da fluidez, vemos uma maior emergência do papel do próprioindivíduo como responsável pelas suas escolhas de estilos de vida, seja pela forma como lida consigo e com o mundo, por exemplo ao tomar consciência das suas práticas ambientais. A pandemia foi um momento para reavaliar valores e prioridades e um gatilho para uma alteração ainda maior nas mentalidades. A grande mudança prende-se com os sentimentos negativos que surgem com o fim de uma crise para se entrar logo de seguida em novas. E a atual fase do capitalismo não está a conseguir responder aos desafios socioeconomicos que se levantam.

Se a questão da saúde mental já era uma pauta muito discutida, a situação só piorou. Neste contexto, perdemos a esperança no(s) futuro(s) e nos cenários que nos apresentam, fruto do trauma de tantas crises seguidas. Já não é apenas uma questão de promoção da distopia, mas um abalo muito forte na prospeção positiva por um futuro melhor. Isto é cada vez mais substituído por tentar viver cada dia o melhor possível, pois as perspetivas comunicadas sobre o futuro são desoladoras. Estivemos na fase da negação, depois a negociação e agora estamos na fase de aceitação do luto pela vida que nos foi prometida nos anos 80 e 90 e que, afinal, não chegou. O olhar e o foco agora estão no presente, quase promovendo uma negação do porvir num sentimento pré e pós-apocalíptico – um limbo. O processo deste próprio limbo, o fim da certeza, do mundo conhecido, vai afetar a tendências nos próximos meses e sublinhar um sentimento de “purgatório”. Assim, esta macrotendência é marcada por uma dualidade baseada no contraste entre o “novo” e o “retorno”. A reconstrução de um mundo melhor e mais justo parece, agora, mais uma utopia e sonho coletivo que rapidamente vai caindo no esquecimento. Vivemos em tempos em que não há mais uma fronteira nítida entre o possível e o inimaginável.

Micro Tendências Associadas: Fulgral e Indulgente; Viver a casa; o Futuro está cansado.

Madalena Parafitas, 2023:

5.1 Esperar pelo melhor e preparar para o pior. Dá título a este padrão um poema de Alexander Search (heterónimo de Fernando Pessoa) “Hope for the best and for the worst prepare”, uma vez que tem sido cada vez mais essa a mentalidade da sociedade contemporânea. Apesar de ter começado há pouco mais de um ano, a Guerra entre a Ucrânia e a Rússia é um tema bastante abordado na atualidade – todos os dias surgem novos ataques entre os países e, com eles, novas mortes e notícias detalhadas sobre os acontecimentos. Conseguimos determinar a micro tendência “O futuro está cansado” neste padrão, que tal como nos diz o Laboratório sobre esta micro tendência – “As constantes crises, incertezas, flutuações e problemas esgotaram uma perspetiva positiva sobre o futuro, um desejo de projetar e de pensar em cenários. O sentimento geral é de aproveitar o momento, sobreviver às diferentes crises com o máximo de saúde física e mental possíveis e aguardar pela nova inevitável crise que vai surgir. No audiovisual as distopias ultrapassam rapidamente as utopias e o número de narrativas sobre o contexto negativo aumentam. Em paralelo, os indivíduos estão também cada vez mais aborrecidos com a falta de autenticidade que rodeia as diferentes realidades, especialmente as digitais. Isto só aumenta o sentimento geral atual de desesperança na mudança positiva”, uma vez que este conflito entre a Ucrânia e a Rússia não mostra um fim à vista e a informação que recebemos promete que está longe de acabar. Tal como o João Miranda refere na sua análise de conteúdo da revista VICE, determinou em 168 publicações analisadas para a macrotendência de Redesenho dos Estilos de Vida, sobre pandemia, a guerra no leste europeu, a crise climática, a subida do custo médio de vida e a inflação. Todos estes fatores provocam uma mudança nos comportamentos e no modo como lidamos com o dia-a-dia. Também a Rita com a sua análise de conteúdo ao jornal Observador determinou que a macrotendência Redesenho dos Estilos de Vida era a terceira com mais expressão, existindo recorrência nos tópicos sobre a saúde mental, contingências ambientais, mudanças na tecnologia/vida, desigualdades sociais e económicas e, o que interessa mais para este padrão, a guerra e as migrações como tópicos abordados na baliza temporal desta análise de conteúdo, o que nos faz pensar para onde a nossa sociedade se está a mover – começamos a mudar o modo como vivemos de acordo com as fatalidades da guerra, tais como a inflação e a migração, o mind-set da população muda automaticamente, mostrando poucas perspetivas em relação ao futuro. Ainda no jornal Público, de acordo com a análise de conteúdo feita pela Claire, a microtendência “O futuro está cansado” tem relevância e demonstra uma ideia de sentir que as crises não têm fim, tal como já justifiquei.

5.2 A digitalização da vida. Cada vez menos existe uma linha que separa o mundo digital do mundo físico – desde o final de 2022 que tem existido um boom de novas tecnologias com bastante impacto no nosso dia-a-dia. Já não nos é possível viver sem o digital, o mundo tem-se transformado e salientado a questão tecnológica como essencial à vida humana e o ser-humano tem resolvido a sua vida em concordância com isso mesmo. A vida começa a ficar digitalizada com funções tais como o ChatGPT ou a Cray X. O ChatGPT referido como sinal cool por alguns colegas demonstra que promove uma mudança nas práticas, mentalidades e comportamentos do ser-humano. As diversas formas de trabalhar que o ChatGPT promove, uma outra forma de resolução de problemas do quotidiano é o principal foco desta nova tecnologia. Ainda mais, os avanços tecnológicos têm permitido também um melhoramento no modo como vivemos, é caso disso a Cray X ou o robô Labrador. São amostras de como as tecnologias podem mudar totalmente a forma como realizamos tarefas, num mundo onde o ser-humano procura cada vez mais a eficiência e a rapidez, tudo começa a estar afetado por esta necessidade de progresso e, portanto, como que digitalizamos toda a nossa vida para facilitar o modo como se vive atualmente. Outro exemplo poderá ser o novo modelo de venda da Telfar referido por mim como um sinal cool. Este novo modelo de venda pretende demonstrar uma nova forma de venda e de permitir o acesso à compra de artigos considerados de luxo a um maior número de consumidores, transformando os estilos de vida e a forma como se olha para um artigo de designer. Tudo parece deixar de fazer sentido quando não envolve tecnologia. Estes meios funcionais que pretendem melhorar o nosso quotidiano, são agora indispensáveis ao funcionamento do ser-humano, tudo aponta para a direção de uma digitalização da vida física, onde a linha que separa o digital e o físico começa a ficar cada vez mais ténue até que, eventualmente, se irão fundir.

5.3 O Eu e o Outro. Numa sociedade que atravessou uma pandemia durante, pelo menos, dois anos, levou a grandes mudanças no modo como relacionamo-nos com o outro e a limitação daquilo que queremos proteger de privado na nossa vida. Existe um aumento da consciência do “eu” no mundo, um olhar para dentro e o papel que integra para a mudança social, mais não seja por questões ligadas à guerra e ao significado de humanidade nesse contexto. Ao recolher dados de algumas análises de conteúdo, considero importante evidenciar a análise dos podcasts do Spotify realizada pelo Gabriel Gonçalves. A análise determina que as temáticas mais comuns dos podcasts portugueses são sobre relacionamentos humanos, tanto sobre o “eu” como sobre relações de amor, amizade e família, transferindo isso à microtendência “frugal e indulgente” que menciona o afeto e as relações sociais que estão a passar por um processo de acomodação, surgindo novas formas de nos relacionarmos. A ausência de interação social com a pandemia e as vidas perdidas pela guerra, causam uma mudança no estilo de vida da população em relação à forma como se dá com o outro. O Diego Gougain na sua análise de conteúdo sobre as salas de espetáculos de Lisboa, a maioria da mancha dos 269 espetáculos analisados discutem sobre identidades, tanto individuais como coletivas. Juntando a esta análise, na análise de conteúdo que realizei sobre a RTP Palco, evidencio que ao entender aquilo que cada produto cultural representa, percebi que temas associados à sociedade são predominantes, correspondendo às representações de realidades, sublinhando o teatro como a produção cultural mais sensível à representação de diversas relações, quer seja com a família, uma relação amorosa ou mesmo com o íntimo, na descoberta de quem somos e o que fazemos no mundo. É na constante dúvida do “eu” e naquilo em que o mundo se está a transformar que começa a existir o padrão na forma como nos damos ao outro, como se pudéssemos perdê-lo a qualquer instante e, por isso, aproveitamos cada momento para estarmos juntos e conseguir viver as relações no seu máximo. Como analisado, tanto a pandemia como a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, têm-se demonstrado essenciais para entendermos o nosso papel no mundo e a relevância que temos (ou não) perante os acontecimentos, a tendência é de sermos mais empáticos tanto connosco como com os outros, refletindo cada vez mais sobre nós e sobre o outro.

5.4 Um dia tem de ter mais de 24 horas. Este padrão está totalmente associado ao padrão 2. A digitalização da vida. O facto de cada vez mais a tecnologia mudar o nosso modo de ver o mundo e a forma como vivemos, faz com que o “Tempo” seja associado à efemeridade – nada dura muito tempo e, por isso, temos de saber aproveitar ao máximo. Os novos estilos de vida que quase que exigem que o dia tenha mais de 24 horas promove avanços na tecnologia para a eficiência do tempo – o ser-humano está constantemente sem tempo para as suas tarefas. Intrinsecamente ligado à ideia de sustentabilidade e ambiente, a análise do sinal cool Jetson Car evidencia que os países têm investido de forma expressiva na tecnologia para a substituição dos veículos com motores de combustão por outros elétricos, que são menos poluentes. Este novo veículo simboliza uma diminuição do trânsito e, consequentemente, do tempo que se fica à espera, mudando os estilos de mobilidade e de vida urbana. O João Miranda descreve um outro sinal cool que é o café anti procrastinação, um estabelecimento desenvolvido como ferramenta para resolver o problema de que as tecnologias perturbam o normal foco de trabalho e estudo da população, também se associa a esta ideia de não ter tempo, uma vez que sabemos que as tecnologias são um grande vício na nossa sociedade e que a maioria se deixa absorver pela mesma – pelo que ficamos sem tempo. Ao mesmo tempo que a tecnologia nos pode providenciar mais tempo, também nos retira de outro modo e lutamos para procurar reavê-lo. Outro sistema de transporte evidenciado pelo Diego Gougain é o Hyperloop que é um sistema de alta-velocidade onde os passageiros viajam a mais de 1000 quilómetros por hora, para além de que tem um baixo consumo de energia e pode ser alimentado exclusivamente por energias renováveis. Este sistema muda completamente o modo como olhamos para as viagens e a necessidade que temos de que seja tudo com tempos mais curtos, mesmo que a distância seja grande, deixa de nos fazer sentido “perder” horas da nossa vida a viajar.

5.5 A procura pelo Bem-Estar (físico e mental). As questões de saúde mental são cada vez mais debatidas e evidenciadas como importantes para o bom funcionamento da sociedade. Com a pandemia a sua importância aumentou e, desde então, que faz parte dos assuntos da ordem do dia. Como diz o ditado “Mente são em corpo são”, não só a saúde mental é importante, mas também o bem-estar físico. O sinal cool NoWatch obriga-nos a mudar a forma como nos relacionamos com o nosso ambiente e procuramos formas de melhorar a nossa saúde mental. O studiorise evidenciado por mim como sinal cool está também associado à macrotendência de Redesenho dos Estilos de Vida, uma vez que existe uma mudança na prática tradicional de ir ao ginásio, toda essa estrutura é modificada em moldes que fazem mais sentido ao estilo de vida da sociedade atual, em que não existe tempo para se comprometerem com um ginásio, mas ao mesmo tempo querem cuidar da sua saúde e bem-estar. Os estilos de vida estão a mudar de tal modo para uma ideia muito mais saudável que as próprias cadeiras de fast-food tentem satisfazer essa vontade por um estilo de vida melhor, o sinal cool da Beatriz Henriques sobre a campanha implementada pelo McDonald’s em França de substituir as batatas fritas por vegetais em palito, não só para corresponder a este novo estilo de vida, mas também para fomentar melhores hábitos alimentares.

Gabriel Gonçalves, 2023:

5.6 O ‘Apocalipse Zumbi’ é o fim do dinheiro. Apesar de as narrativas catastróficas sobre o fim do mundo ainda terem espaço com grandes sucessos como a série The Last of Us, da HBO, o desgraçamento da existência humana também repousa no ‘fim do dinheiro’ provocado pelas seguidas crises financeiras. Observa-se, então, o paralelo criativo do capitalismo como o grande zombie em muitas distopias atuais. Produções audiovisuais como ‘Triângulo da Tristeza’ e ‘O Menu’ exploram de maneira mais subjetiva o luxo e o poder das classes mais ricas, enquanto obras literárias como Capitalism and the Death Drive, de Byung Chul-Han e The Precipice: Neoliberalism, the Pandemic and the Urgent Need for Social Change, de Noam Chomsky e C. J. Polychroniou (2021) vão mais fundo na análise de um certo colapso do capitalismo. Ainda sobre produções audiovisuais, o sul-coreano Squid Game, de 2021, explora a gamificação mortal na busca pelo dinheiro, criando seus próprios zumbis. Por mais que a distopia sobre atos criminosos pareça distante, a realidade apresenta paralelos interessantes. O norte-americano James Donaldson, conhecido como Mr Beast, tornou-se o principal youtuber do mundo muito em função de seus vídeos envolvendo games e brincadeiras focados na doação de dinheiro e bens. Por mais que se tratem de ‘boas ações’, mostra como a exploração de pessoas à beira da falência e do colapso financeiro é um conteúdo forte. Com uma investigação das análises PEST de diferentes colegas, é possível perceber que as notícias sobre problemas graves com dinheiro estão presentes em praticamente todos os levantamentos, indicando que a exploração do fim do dinheiro como o ‘Apocalipse Zumbi’ dos próximos anos deve permanecer na produção cultural. 

5.7 ‘Alexa, oo, I don’t wanna die’. A pandemia de Covid-19 e o medo de um ser vivo impossível de ser mapeado a olho nu expôs a humanidade ao medo da morte. E como indica o próprio texto da tendência, este olhar frente a frente com a finitude da vida criou a necessidade de novas relações com a própria  saúde. Nesse sentido, a análise dos sinais e das notícias trouxe um redesenho em busca de um monitoramento mais próximo do próprio estado do corpo.  Da mesma maneira com que a Alexa – e tantos outros ‘irmãos’ – monitora a agenda e a playlist do sábado à tarde, o ‘novo’ ser humano busca ‘controlar’ sua saúde. Uma série de gadgets como o U-Scan, para fazer um exame de urina dentro do próprio banheiro; o Google Little Signals para expor o acesso excessivo à tecnologia; NoWatch para regular o sono procuram criar uma ideia de controle e monitoramento de dados sobre o funcionamento do próprio corpo e o Lungy para a respiração. Diferentemente da promoção da saúde por meio do exercício físico e da ida frequente ao médico, o padrão de uma certa ‘gadgetização’ dos índices de saúde se relaciona com a micro-tendência de digitalização dos estilos de vida. O olhar aqui não é exatamente ao corpo físico, mas sim mediado pela tela, o pedido de ‘Alexa, me ajude a não morrer’. 

5.8 O meu mundo sou eu. A microtendência de o futuro está cansado indica a desesperança com o futuro. Se não há nada o que fazer para solucionar as mazelas da humanidade, o caminho é cuidar de si mesmo. E o tema continua ainda bastante em voga, ampliando o conceito da saúde mental para as discussões sobre identidades, auto aceitação e luta contra o preconceito e a divisão social. A análise de conteúdo sobre o Observador mostra que a temática relacionada às identidades esteve presente em quase 50% das notícias. As plataformas de conteúdo, como a Netflix, também trazem debates sobre gênero e sexualidade. Nesse sentido, uma série de objetos apresentados nas categorias de filmes e séries, como A Baleia, The White Lotus e Close trazem a necessidade falar sobre as complexidades humanas. Portanto, percebe-se que o redesenho dos estilos de vida sobre a saúde mental não diz respeito apenas à abordagem psicológica e terapêutica de tratamentos e de análises, mas também pela iluminação sobre as nuances do comportamento humano relacionado a gênero, sexualidade e raça. Nesse sentido, perante a desesperança de ‘salvar o mundo’ em meio a tantas crises, o objetivo é ‘salvar’ o entendimento do ser humano sobre si, mostrando a pluralidade dos indivíduos para incentivar a auto aceitação e quebrar barreiras de preconceito e de exclusão. 

Articulação dos Padrões:
Estes cinco padrões estão bastante ligados, uma vez que demonstram os principais focos de mudança nos estilos de vida da sociedade contemporânea. A guerra, a tecnologia que nos aumenta, e também retira tempo, a preocupação com o eu, a sua identidade, bem-estar físico e mental. Todos estes padrões se relacionam entre si e demonstra que a sociedade contemporânea se está a dirigir para algo muito específico, o seu autorreconhecimento e melhoramento, numa vontade de que o mundo seja um lugar melhor para se viver, mudando o seu foco e ambição, fazendo com que o seu estilo de vida se enquadre numa lógica de que para estarmos bem com o outro, precisamos de nos sentir bem connosco, motivando-nos a fazer mais e melhor.
O contraste entre o ‘novo’ e o ‘retorno’ que está na própria definição da macrotendência de Redesenho dos Estilos de Vida se fez bastante presente na análise geral sobre o trabalho dos colegas de Tendências. Se nos anos anteriores a sociedade pareceu suportar o isolamento social e as mudanças em prol da saúde e começar a tatear a ‘saída’ da realidade pandêmica, o atual quadro mostra os conflitos dessa volta. O desejo de ‘voltar ao que era antes’ é impossível, visto que as transformações decorrentes do Covid-19 e contemporânea à crise posterior, agravada pela Guerra. Parece não haver volta, visto que o que lá estava não existe mais. A busca é por um ‘novo normal’ que precisa lidar com a incerteza e com a falta de recursos, convivendo com o medo constante do escalonamento da Guerra, da pobreza e da nova variante do vírus.

Madalena Parafitas, 2023:

1. A relação com as novas tecnologias está a ficar cada vez mais dependente. Se antes as pessoas contavam com a tecnologia para a resolução de problemas, nos dias de hoje parece que quase tudo é solucionado a partir das tecnologias, de sublinhar o crescente impacto que a inteligência artificial tem vindo a apresentar. A vida já não se justifica sem tecnologia quando parece que já não existe tempo suficiente – partindo desta ideia e daquilo que os padrões acima demonstraram, a inteligência artificial surge exatamente neste contexto, quando o ser-humano já está altamente influenciado e relacionado com a tecnologia, existem agora máquinas capazes de reproduzir competências humanas e que, para o ser-humano, faz com que a falta de tempo já não seja uma questão. Ao existir algo, como a IA, capaz de fazer uma tarefa igual ao ser-humano, este escusa de ter de fazer e passa a ficar com mais tempo para si, para os outros, ou para outra atividade que a máquina (ainda) não é capaz de cumprir.

2. A ideia de ficar em casa e o “à distância” não se tem vindo a considerar nos últimos tempos. As pessoas mostram uma forte predisposição para sair de casa e aproveitar a vida ao máximo, ainda para mais quando se pensa no período de guerra que a Europa atravessa com a tensão entre a Ucrânia e a Rússia.

3. A saúde mental e física continua a ser um tema bastante recorrente na sociedade e não mostra sinais de abrandamento. Continuará a ser um tema importante nas mesas de debate e a reflexão do “eu” manter-se-á. Os tabus que estão implicados na saúde, principalmente, a mental, começam a estar desmarcados e fixa-se a ideia da relevância que é o ser-humano sentir-se bem consigo mesmo para conseguir produzir o que quer que seja em sociedade, e isso começa a ser uma prioridade.

4. Novas invenções tecnológicas para melhorarem o estilo de vida da sociedade e reduzirem o seu tempo, principalmente, nas tarefas diárias tem vindo a ganhar um grande avanço e deixa de fazer sentido não existir meios tecnológicos que não tornem o nosso modo de estar mais eficiente. Assim sendo, usarmos aquilo que as máquinas podem oferecer é um caminho que nos permite explorar outras coisas e não ficarmos submetidos a algo que uma máquina é perfeitamente capaz de fazer. Com isto, conseguimos desenvolver outros papéis em sociedade e, também, ir melhorando cada vez mais essa máquina e acrescentá-la como algo de positivo ao nosso dia-a-dia, a ideia de “acabar” com as máquinas ou de reduzir a sua ação, já não faz sentido num tempo em que os avanços já são imensos, a ideia será aprender a viver ao mesmo tempo que a máquina e disso retirar dividendos que exponenciem a sociedade.

5. Principalmente com a inflação e a guerra, as pessoas começam a não ter grandes ambições para o futuro, o custo de vida está cada vez mais caro e a política também não mostra melhoramentos. Os dias começam a ser vividos como se fossem os últimos, e a ideia de aproveitar ao máximo faz parte da ordem do dia. Esta ideia traz-nos a sensação de que “o futuro está cansado” e, portanto, atualmente, o modo de pensar das pessoas é apenas no presente e melhorar o seu presente, quase que descredibilizando a ideia de futuro e de “gerações futuras” como algo que não irá acontecer – apenas o presente acontece e é nisso que se focam.

Gabriel Gonçalves, 2023:

1. Eu não estou nem aí para nada. Por mais que os debates sobre identidades, gênero e raça tenham um certo protagonismo na produção de conteúdo e de entretenimento, ainda há um grande espaço para as ditas banalidades e futilidades do dia a dia. A análise de conteúdo do Spotify mostrou que o podcast mais ouvido em Portugal nos últimos anos, Extremamente Desagradável, da Rádio Renascença, é totalmente focado na crônica humorística em cima de personalidades e de acontecimentos da cultura pop portuguesa. Dessa maneira, os sentimentos de esgotamento mental evocados pela microtendência do futuro está cansado, além de trazer um olhar sobre si mesmo, concentra um pensamento sobre o nada. O objetivo é produzir conteúdo engraçado sem abordar os grandes temas e aflições mundiais, focando-se apenas nas distração momentânea e no alívio dos sofrimentos diários. 

2. A luta pelo diagnóstico precoce . O padrão do mapeamento e do acompanhamento da saúde com gadgets, aplicativos e inteligência artificial pode dar munição à luta contra as doenças graves, sobretudo o cancro. No mundo inteiro, o diagnóstico tardio da doença é um dos grandes vilões contra a elevação das taxas de controle e de cura. Ao redesenhar a vida para uma postura mais atenciosa com a própria saúde e com o corpo, o indivíduo pode criar um estado de alerta que o leva a rastrear disfunções e quedas de parâmetros que podem indicar sinais de um problema mais grave. Nesse sentido, o principal insight criativo é justamente para canalizar o interesse e o cuidado com a própria saúde não apenas com gadget de monitoramento, mas também com produção de conteúdo e facilitação do acesso à informação e ao atendimento médico 

3. Viver a casa, mas que casa? A microtendência de viver a casa descreve bem a intencionalidade de aumentar o aproveitamento do espaço interno em meio ao isolamento social. Entretanto, os dados da PEST que relatam a crise imobiliária no caos pós-pandêmico traz uma discussão sobre que casa? Uma grande parcela da população jovem tem dificuldades do acesso a imóveis, ainda que por arrendamento. Nesse sentido, o caminho da arquitetura pode ser encontrar novos formatos de construção e de distribuição de espaço, trabalhando cada vez mais com casas menores para aproveitar ao máximo o espaço urbano. Além disso, a produção de obras – das mais variadas formas – sobre o problema da habitação pode atrair investimentos de patrocinadores e distribuidoras. 

4. Ainda vale a pena fazer sexo? Enquanto o conteúdo e o entretenimento traz debates sobre sexualidade e gênero, inclusive com a abertura para diferentes práticas e exclusão de rótulos, o ato sexual parece estar afastado do ser humano, criando dualidades e contradições. A inteligência artificial, o contato frugal e indulgente e as múltiplas opções de sexo virtual e pornografia podem mudar a relação humana com a interação física. O aplicativo Kama, de 2022, procura elevar a confiança sexual e a promoção do ato. Nesse sentido, a promoção de tratamentos e conteúdos para fortalecer a prática do sexo com contato físico entre pessoas deve ganhar espaço, sobretudo para resgatar de alguma maneira o estilo de vida sexual desta maneira frente à diversidade de outros formatos por inteligência artificial ou por pornografia. 

5. The Big Brother. No começo de 2023, a ideia de ferramenta de inteligência artificial ainda está muito ligada à página inicial do Chat GPT. Porém, a entrega de textos é só um dos serviços. Para os próximos anos, é bem possível pensar em uma completa adaptação da IA para os usos de diferentes profissões, tornando-a um verdadeiro braço para uma série de funcionalidades, em um redeseho com o ‘novo normal’ permeado pela IA. Nesse sentido, o cinema pode empregar a tecnologia para a dublagem do mesmo filme em vários idiomas mantendo a voz e as expressões do ator original, enquanto a música pode utilizar-se de uma versão totalmente diferente para a produção de músicas inteiras apenas com a participação da inteligência artificial. A própria área da medicina e dos cuidados de saúde adaptam a IA em seus exames para enxergar resultados mais exatos, sobretudo para o diagnóstico precoce de doenças graves. O ponto é que a tecnologia da inteligência artificial é completamente adaptável ao conceito que precisa atuar, adquirindo diversas formas e ‘rostos’. Se em outros tempos a imagem humanóide do robô associou-se à ideia de ‘máquina’, a interface do Chat GPT estampa o imaginário da inteligência artificial. Porém, o conceito e todas as tecnologias envolvidas vão muito além e podem moldar-se a muitos corpos, sendo um ‘Grande Irmão’ para qualquer serviço.

Micro Tendências

Eco Chamber 2.0

O desenvolvimento da IA trouxe uma mudança drástica na curadoria digital do que vemos, consumimos e com o que interagimos online. O efeito Eco Chamber aponta para os algoritmos, selecionando publicidades, notícias e pessoas que correspondem aos nossos interesses na última década. Fomos moldando o nosso pensamento e a nossa realidade dentro de uma bolha cada vez mais consistente e opaca. Agora essa personalização é extrapolada quando assumimos o papel de líder ou de guia da criação da realidade com as ferramentas de Inteligência Artificial. Com esta nova ferramenta, criamos personagens, cenários, conhecimento, e narrativas que perpetuam e reforçam a era em que vivemos ainda mais hiper individualizada. Com isto, já não é uma relação passiva de um sistema que lê os teus comportamentos e entrega algo que pensa que gostas, mas sim uma relação com uma Inteligência Artificial onde a opinião do autor tem um papel ativo nessa comunicação e construção de mundo.

Hiper Curadoria Generativa

Um novo virar para o transmedia, para a digitalidade, que leva a uma criação pessoal de representações/artefactos/espaços promovida pela capacitação que a IA generativa veio potenciar na criação de imagens, de textos, de narrativas, de worldbuilding. O indivíduo como coautor numa produção de “conteúdos” que perde o rasto da memória e das referências na criação do novo objeto, uma memória apenas impressa na mega personalização dos prompts e dos códigos. Um sublinhar dos interesses e das paixões individuais que leva a fragmentações – o escape de viver cada vez mais a “estória da minha vida” – com a minha banda sonora, os meus filmes, as minhas imagens, todos eles curados/criados/simulados/ajustados por mim e que me rodeiam numa bolha o tempo todo, um exercício perpétuo de worldbuilding à minha medida.

Fronteiras das Narrativas e do Medo

A sensação de ameaça foi novamente introduzida pela pandemia de Covid-19, seguida pela guerra no leste da Europa, e agora pelo desenvolvimento da Inteligência Artificial e o consequente e crescente medo construído com base numa proximidade inesperada dos maiores temores da Humanidade. O mundo mudou com estas experiências dos últimos dois anos, à medida que as histórias se tornaram mais comuns e as lutas mais próximas.

Realidades “Gamificadas”

O processo de jogo, o escape aos acontecimentos diários, leva a uma intensificação de processo de gamificação. As mecânicas de jogos entram cada vez mais em diferentes domínios, ate supermercados, e alteram não só as realidades como a ligação entre comunidades e grupos. O lazer está rapidamente a expandir-se para o domínio digital com marcas a infiltrarem os mundos digitais, concertos no meio de vídeojogos e uma nova perspetiva sobre aventuras digitais.

Arquipélagos Urbanos e Digitais

A formação de novas zonas, dispersas no espaço coletivo mas centrais em termos de referenciais identitários, culturais e da produção de identidades, como associações culturais, e espaços multifuncionais e com o conceito de one-stop-shop (coworking + hostel + jardim com horta urbana coletiva, por exemplo). Estas ilhas compõem um arquipélago de realidades que entram em contato no convívio quotidiano, provocando encontros de descoberta e tensão entre identidades, práticas, representações e discursos mediados por diversas manifestações socioculturais. Falamos de cidades híbridas como espaços não fixos que possibilitam navegações.

Linguagens Inflexíveis

Cada vez mais, importa estar contextualizado nos repositórios simbólicos mais pertinentes do momento. Do digital, ao mundo dos jogos, e à crescente pulverização de comunidades urbanas surgem cada vez mais dialectos com um potencial para separar e/ou juntar indivíduos. Isto obriga a uma fluência cultural cada vez mais plural e capaz de gerar articulações inovadoras entre diferentes ambientes e grupos. A crescente velocidade de mudança das linguagens, dos objetos e das práticas aliada à crescente mutação e mudança do cool promove uma necessidade de atualizar constantemente as literacias do quotidiano para manter um processo atualizado de codificação e de descodificação dos discursos e da produção cultural. As próprias ferramentas, muitas delas digitais como aplicações, moldam as linguagens. Importa ponderar estratégias à luz deste novo sistema de produção de significados e representações.

iNostalgia

O sentimento de nostalgia, já não enquanto saudade idealizada do passado, promove representações, práticas e artefactos anacrónicos, influenciando comportamentos, espaços e produtos nas dinâmicas atuais. Esta tendência tem ao seu alcance o repertório simbólico e o contexto em que habitam os artefactos e a memória coletiva. Muitas vezes, é uma construção idealizada através da memória, da narrativa, ou da construção de outro. Uma articulação e hibridização entre a nostalgia de algo vivenciado e de algo sonhado, ou assimilado por contacto secundário. Uma convergência de memórias e de imaginários, agora com um novo “storytelling” potenciado pelas redes sociais e capaz de influenciar mitos e visões políticas. Neste mundo em constante mudança, mas também preso a uma perpetuidade consciente de crises que esgotaram o futuro, as memórias fortes e os símbolos mais sólidos são guias, uma segurança, e uma estabilidade que permitem ainda navegar as mutações de identidades e padrões de produção/consumo cultural. Esta micro tendência vai para além da coisa, sublinhando-se a importância do sentido que, sendo sempre algo individual, parte da estrutura coletiva e não privada – é partilhado, mas também cada vez mais artificial. Valendo-se de referenciais consolidados no imaginário coletivo, o desenho de experiências; de obras audiovisuais; e de outras soluções ao nível de produtos culturais e serviços recorrem à adaptação ou atualização de narrativas já existentes num constante “remake” do repositório simbólico global.

Transmedia e Digitalidade

Tanto as narrativas quanto outras produções culturais hoje permitem a sinergia de diversos meios e plataformas para construções complexas e dinâmicas de fácil acesso. A transmidialidade implica níveis de profundidade e expansão entre canais de comunicação mais clássicos, dispositivos inteligentes e novas aplicações onde o consumidor/utilizador tem um papel muito ativo. Da mesma forma, as transformações socioculturais e tecnológicas levaram à instalação de uma cultura digital altamente híbrida e imersiva –entre o mundo físico e o digital–, vivenciada e compartilhada por meio de dispositivos móveis com conectividade, sites, aplicativos e redes sociais para todas as necesidades e gostos dos usuários e as comunidades.

Tudo é Político

Este micro tendência (fruto do trabalho de investigação de Gustavo Silva) sublinha que num contexto de crises constantes, cresce o sentimento de desconfiança nas instituições tradicionais, incluindo as políticas, ao mesmo tempo que a consciência da influência destas autoridades na vida quotidiana de cada um também se intensifica. Neste cenário, o papel político de cada indivíduo ganha tração, em um ímpeto coletivo de fazer política com as próprias mãos, em um esforço para que as suas convicções, sejam elas quais forem, sejam atendidas e respeitadas.

Pressão da Curadoria Perpétua

O acesso a objetos, espaços e momentos de lazer – músicas, filmes, séries, entre outros – procura uma curadoria à medida que tenta encontrar as expressões, no momento, de desejo dos públicos. Os “influenciadores” são uma das faces desta pressão de uma curadoria que passa de uma autoridade com credenciais para uma autoridade com reconhecimento popular, e onde o conteúdo é rei. Com a pandemia, vemos uma crescente necessidade de acompanhar tudo digitalmente, o que gera um mundo permanente de “reality show/tv” sobre qualquer aspeto quotidiano em direto e que requer uma longa discussão sobre a curadoria de conteúdos.

A Pressão do Agora

Com diferentes aplicações queremos acesso a produtos que chegam à porta de casa o mais rapidamente possível – da comida a jogos de computador, incluindo também vestuário, livros, tecnologia, entre outros. Tudo isto sem falar no acesso à informação e às pessoas. Contudo, há discussões sobre a sustentabilidade deste sistema, a cadeia por trás dele e o impacto que recentes eventos internacionais estão a ter na capacidade de responder a este interesse.

Detox Digital

Surge, cada vez mais, a consciência de que há um uso excessivo do domínio virtual e de dispositivos tecnológicos. O que, consequentemente, se traduz numa decadência da privacidade, devido à grande artilha de informação na internet e nas respetivas redes sociais, incluindo cedência de dados, etc. Porém, estar-se ciente da atenção dada ao domínio tecnológico fomenta comportamentos associados à fuga do virtual. O excesso do digital faz as pessoas ficarem num estado de anestesia. As experiências sinestésicas, em suas diversas apresentações e formatos, seja offline, seja online, entram como um estímulo para reativar estes sentidos adormecidos.

Polarizações

Vivemos num mundo polarizado, gerado pelas diferentes perspetivas sobre política, economia, identidades, comunidade, pertença, práticas e crenças. A polarização é uma contra força em relação à pulverização de narrativas, de identidades e de perfis, gerando novos tipos de públicos: polarizados. A polarização vem de fora (do coletivo) para dentro (para o indivíduo) como a negação de algo. Não há meio termo nem lugar para os que não estão nos polos. Sublinhe-se a necessidade de escolher um lado claro, uma escolha imposta. Podemos ser “cancelados” de acordo com o lado escolhido. A desinformação, a falta de informação, a iniquidade, e o acesso fácil – muitas vezes anónimo ou impessoal – a plataformas sociais para a partilha de opiniões promovem esta violência que se ancora no antagonismo em relação ao outro. Recentemente, vemos que os extremos das polarizações encontram-se entre si. A questão das identidades desperta tema  que tocam a polarização e a intolerância, ao passo que também desperta questionamentos progressistas. Curiosamente, esse pensamento questionador e progressista também encontra eco, paradoxalmente, no discurso conservador.

Tribos Cool

No seio desta liquidez identitária de uma perene, mas agora em destaque, tensão entre uma matriz individual e comunitária, sai reforçada a discussão sobre a construção de estilos de vida associados aos interesses e traços identitários de cada um. Tal como nas décadas anteriores, eu pertenço a grupos e contruo um estilo de vida, mas a forma como navego nos mesmos é cada vez mais líquida. Eu desenvolvo a minha interpretação das dinâmicas, representações, práticas e artefactos por trás de cada grupo e escolho aqueles que fazem sentido para mim, numa negociação constante com o grupo e com a minha própria voz. A minha identidade é um mosaico de associações, num guião que escrevo a cada dia, e com isto acabo por contribuir para a reinvenção dos próprios grupos a que pertenço nas diferentes realidades. Aliás, tentando acompanhar as diferentes possibilidades sociais, económicas e tecnológicas, sublinha-se esta tensão entre o coletivo e o individual expressa nos corpos e ultrapassando a fisicalidade. Vemos uma crescente pluralidade de avatars e identidades digitais que sublinham os diferentes papéis, interesses, necessidades e associações: a tribalização do digital.

Exponencialmente Real

Num mundo onde existe um excesso de produção de conteúdo e cada vez mais ferramentas e técnicas de manipulação, o consumidor quer identificar-se com narrativas originais que permitam (i) um processo de identificação; (ii) um processo de descoberta e/ou resolução de problema numa dinâmica quase “gamificada”; (iii) o desenvolvimento de competências e de ideias; (iv) um entretenimento imersivo e por vezes interativo. É verdadeiramente um “reality show”, onde rotinas são expostas, promovidas, validadas e/ou vendidas. Sim, de certa forma, os estilos de vida “estão à venda”. Isto obriga as marcas, os influenciadores e a população em geral a um escrutínio crescente – muitas vezes até uma perseguição para encontrar falhas e denunciar. Isto numa perspetiva de grande visibilidade e escrutínio público-privado, podendo homologar indivíduos, personagens, produtos e marcas, entre outros. Estas necessidades e a capacidade de escrutínio obrigam a um excesso na procura pela originalidade e sugerem a necessidade de uma transparência total. Estamos perante uma fusão e vulnerabilidade entre o físico e o digital (a queda das fronteiras), entre o próprio e o público, pelo que estas identidades protagonistas devem estar acessíveis em todos os momentos e aspetos do quotidiano, permitindo uma imersão total que cria uma tensão no conceito de real e que gera uma exposição num contexto promovido de anti-privacidade consentida. Aliás, a pandemia veio sublinhar ainda mais o fim da divisão entre espaços/momentos privados e públicos, exigindo uma hipérbole do visível em binómios como online-offline, em direto-diferido, físico-digital, ou até entre trabalho-escola-lazer, entre outros. Tudo isto resulta na necessidade de ir a novos níveis para estabelecer relações de afinidade e isso passa também por abrir portas ao nosso quotidiano, ou a formas de produção e logística, numa imersão na vida do outro que influencia grandes grupos.

O Meu Micro Cosmos

As mudanças causadas pela pandemia modificaram vários aspetos do quotidiano e um dos mais afetados foi a nossa  relação com os espaços. Para muitos, foi necessário criar um espaço de conforto – um  único universo existente, disponível ou acessível. Este ambiente precisou ser readaptado e ressignificado para responder às mudanças, tanto físicas e estruturais, como o fato de se entender a casa como lar, escritório, centro de jogos, estufa, entre outros; ou um jardim como o novo centro de bem-estar. O entendimento misto do físico e do digital no espaço também está também a alterar a forma como nos sentimos confortáveis e criamos uma realidade personalizada.

Movies are boring!

Os diferentes vícios provocados pelos gadgets, a intolerância para a exposição a grandes ou complexos conteúdos, a necessidade de mais / novos / rápidos conteúdos mudaram a forma de consumir informação, narrativas, estórias. Isto coloca não só pressão numa criação de conteúdos mais rápida, com menos qualidade e com elementos menos originais, como acaba por sua vez por ainda potencializar mais o aborrecimento… Isto até parece estar em contradição com uma maior pluralização de tribos urbanas e grupos de interesse, mas na realidade nem tudo é tão original e único e “pessoal” como é apresentado: “diferente”, mas reconhecível/identificável. Assim, é mais fácil passar rapidamente os olhos por conteúdos. Para muitos das gerações mais novas, habituados a conteúdos de 1-5 minutos, narrativas como séries e filmes já podem ser vistos como aborrecidos – por mais comerciais que sejam. (*O título desta tendência surge diretamente do comentário de um pai nas redes sociais sobre como os seus filhos categorizavam o cinema)

Frugal e Indulgente

Se por um lado ainda é muito visível o desenvolvimento de atividades e a sociabilização em casa, por outro lado, os eventos e atividades presenciais e ao vivo voltaram com força. Festas, espetáculos, viagens e a restauração, setores que ficaram basicamente parados durante o período da pandemia, estão a procurar recuperar o tempo perdido. Surge então um duplo movimento, aparentemente em contradição, onde também queremos sair para os jardins e consumir intensamente experiências.

Este é o Menu

Uma mega personalização de narrativas e projetos identitários que promove micro grupos e que aposta num menú específico para consumo – informação, lazer, alimentação, trabalho, espaço. O controlo, a organização e a disciplina pessoal são formas de lidar com uma falsa sensação de segurança. Um movimento crescente de movimentação para uma maior individualização onde só aceito aquilo que vai ao encontro da minha visão do mundo.

Bem-Estar

O olhar para dentro trouxe muitas questões sobre o papel dos indivíduos perante o mundo, mas também trouxe um holofote sobre como lidamos com o nosso bem-estar mental, o exercício físico e o corpo, com o papel do trabalho na nossa vida, como lidamos com o planeta e todos os papéis que representamos como indivíduos dentro da coletividade

Bolhas de Informação e de Consumo

Estamos a ser tentados, há décadas,  com uma maior  personalização de todo o conteúdo, produtos e serviços, de forma a promover mais afinidade. O mecanismo de oferta do mercado e recentemente o aperfeiçoamento de ferramentas como o algoritmo atingiram uma grande capacidade de super-segmentação. Dessa forma, parece que cada pessoa é um arquétipo completo e ideal de consumidor, cuja fórmula equilibra fundamentos, filosofias e interesses íntimos e por vezes muito diversos de forma extraordinária, mas que combinam com mestria com arquétipos de outras pessoas “como um”. Os indivíduos têm a sensação que recebem  o que precisam ou desejam –notícias, anúncios ou oportunidades sob medida–, ao mesmo tempo em que se sentem inseridos em grupos que consideram mais representativos ou de maior impacto sociocultural do que objetivamente são. No entanto, esta ilusão deve-se ao facto de se terem deixado encapsular em bolhas de informação e consumo com fronteiras que as separam de outras bolhas e também de perspetivas globais ou transversais da realidade.

O futuro Está cansado

As constantes crises, incertezas, flutuações e problemas esgotaram uma perspetiva positiva sobre o futuro, um desejo de projetar e de pensar em cenários. O sentimento geral é de aproveitar o momento, sobreviver às diferentes crises com o máximo de saúde física e mental possíveis e aguardar pela nova inevitável crise que vai surgir. No audiovisual as distopias ultrapassam rapidamente as utopias e o número de narrativas sobre o contexto negativo aumentam. Em paralelo, os indivíduos estão também cada vez mais aborrecidos com a falta de autenticidade que rodeia as diferentes realidades – daí a necessidade de controlo e até de domínio do espaço e dos objetos digitais.. Isto só aumenta o sentimento geral atual de desesperança na mudança positiva.

Narrativas das Origens

O orgulho das origens é algo em longo destaque nas últimas décadas. As nossas macro tendências também sublinham isto claramente. Contudo, há mutações nas mentalidades em jogo que opõem um orgulho positivo pelas suas identidades e origens que dão lugar a sentimentos de identificação, de pertença e de comunidade, até ao extremo dos localismos e nacionalismos que, além de diferenciar, também excluem – que deixam o outro de fora e que querem montar fronteiras. Este é mais um elemento que sublinha as fortes polarizações atuais e que leva a diferentes choques nos discursos e nas práticas.

Cooperação Regenerativa

A crise ambiental e os desafios económicos e sociais no contexto pós-covid ganharam ainda mais relevância a nível pragmático e nas perceções coletivas. As desigualdades entre ricos e pobres intensificaram-se, os traumas psicológicos da pandemia mostram os seus efeitos tangíveis e a inflação complica as condições de vida numa escala global. A insatisfação e a ansiedade são percebidas a vários níveis sociais, incluindo as empresas, levadas a reduzir o seu impacto ambiental e cada vez mais focadas em atores e recursos.
As grandes cidades, onde a poluição e ritmos de vida frenéticos são o padrão, são os locais onde as ansiedades do nosso tempo impactam, com mais força, práticas e mentalidades. Com níveis de confiança nas instituições a valores historicamente baixos, indivíduos e grupos procuram cada vez mais encontrar soluções autonomamente, em sentido colaborativo.
Assiste-se ao crescimento do fenómeno do coworking, resiliente no contexto da pandemia e promovido cada vez mais por diversas instituições. São locais reunidos em torno de um sentido comunitário, em que a hibridização e a troca entre setores empreendedores e artísticos são o padrão mais evidente. Eles constroem com o local e contribuem para a mudança e regeneração das áreas em que estão inseridos, espalhando o germe colaborativo. São lugares que proporcionam aprendizagem formal e informal, característica evidente no crescente número de iniciativas de colaboração híbrida no campo universitário. Unidos por uma filosofia ecocêntrica, os atores destas últimas podem mostrar o caminho para o hibridismo entre empreendedorismo, ciência e arte/design. O trabalho colaborativo confere força aos projetos e infunde confiança nos indivíduos perante a incerteza do tempo presente.
Outras Macro Tendências Relacionadas: Sistemas Sustentáveis.

Organismos Colaborativos Urbanos

Comunidades com identidades, representações, práticas e conhecimentos/técnicas específicas juntam-se cada vez mais para produzir, encontrar soluções criativas para os problemas mais presentes e juntar esforços. A dificuldade em transformar “o saber fazer” num meio de sustento e a necessidade, em certos casos, de exercícios criativos leva ao surgimento, e amadurecimento, de grupos enquanto comunidades para suprimir essa(s) necessidade(s) como estruturas cooperativas que geram um fortalecimento do ecossistema produtivo, local e criativo. Por norma, são criados espaços que permitem a colaboração, a multidisciplinaridade, a partilha e a criação numa óptica de crescente democratização dos sistemas de criação conjunta. Eles abordam instrumentos e tecnologias facilitadoras para uma produção com alto valor simbólico e de design onde a impressão de traços identitários e de estórias é muito importante. Não obstante, recorrentemente, recuperam patrimónios tanto simbólicos como de práticas, ancorados em tradições – aqui, fica clara uma relação com a nostalgia, com práticas de produção manuais, como uma passagem quase “hereditária” de conhecimentos. Por um lado, é contraposto à aceleração do mundo que permite uma valorização do local, um sentimento de fazer parte do processo e uma nova forma de compreender a sustentabilidade dos sistemas e da relação produção-consumo; sublinhe-se a procura e o interesse na impressão de identidades e na troca entre os diferentes grupos e comunidades dos espaços. São espaços que marcam a cidade, são comunidades que constroem com o local. Comunidades com uma certa autogestão política e uma autossuficiência e independência, inclusive nos seus próprios códigos de comportamento. No fundo, estamos a falar de organismos dinâmicos que traduzem mentalidades e necessidades emergentes com um propósito positivo. Eles querem provocar uma consciência e participação ativa e cidadã, muitas vezes com uma leitura crítica e criativa das questões do mundo para encontrar por soluções concretas para os problemas encontrados. Não são realidade novas, especialmente fora das grandes cidades. Mas nos principais centros urbanos há uma crescente consciência da finitude dos recursos que atua como motivação e, cada vez mais, há uma visibilidade e exposição destas comunidades. A sua crescente transformação no seio das macro tendências e a ressignificação das práticas coloca estes movimentos noutro patamar, potenciado inclusive por cultura colaborativa assente tanto no património como na tecnologia e no digital. É mais um sinal do sonho do mundo colaborativo.

Parceria: a análise desta tendência e o trabalho envolvido  partem de um desafio e briefing da DISE/Direção Municipal de Economia e Inovação da Câmara Municipal de Lisboa, num contexto de parceria com a divisão para compreender a natureza das manufacturas culturais e criativas da cidade.