Análise Cultural: o caso do concerto digital dos ABBA. (Baptista, 2022) #case

// Análise Cultural: o caso do concerto digital dos ABBA.
07-05-2022, Margarida Gelego Baptista
 (analista convidada/estudante de licenciatura).

Imagem de um trecho do trailer do concerto do novo álbum Voyage (0:12)

Descrição: O icónico grupo musical sueco ABBA regressa com o concerto do novo álbum Voyage, com 10 novas músicas, em Londres na primavera de 2022. Depois de 40 anos, os artistas voltam a aparecer em palco, mas não serão vistos na sua aparência e idade atual. Utilizando a tecnologia, os artistas poderão ser vistos com o aspeto que tinham no auge da sua carreira, nos anos 70. Trata-se, portanto, de um concerto virtual e digital que conjuga o novo e o velho: o novo álbum e o aspeto físico que os artistas tinham nos 70 quando estavam unidos pela música antes de se terem separado. Em vez de vermos os artistas fisicamente presentes, estes aparecem como hologramas, como uma espécie de avatares, representados digitalmente, com música ao vivo.

Leitura Semiótica e Fórmula Cultural: o curto trailer de 21 segundos do concerto do novo álbum dos ABBA começa por mostrar muito rapidamente uma previsão de como será o concerto com as luzes de diferentes cores a iluminar o palco, com espetadores em frente ao palco, permitindo aos fãs visualizar como será o concerto ao dar uma previsão visual desse mesmo. De seguida, através de uma transição desvanecida do placo para um plano ampliado em fundo preto, vemos o avatar de Anni-Frid Lyngstad, com o aspeto que a artista tinha no auge da sua carreira nos anos 70 (jovem, ruiva e com o cabelo apanhado), em formato digital, tipo holograma, a dançar ao som da música. Esta imagem da artista mostra-nos mais de perto e de forma mais pormenorizada qual será o aspeto digital dos artistas, e os movimentos realista da mesma enquanto dança, bem como os detalhes físicos da sua juventude. Esta previsão ajuda os fãs a compreender melhor o conceito digital do concerto, no qual os artistas dançam em palco, algo que possivelmente poderia não acontecer se os artistas atuassem fisicamente presentes com a idade que têm atualmente. Logo a seguir vemos o logotipo/assinatura oficial e registado do concerto Voyage dos Abba, captando a atenção do espetador para o nome do concerto e do álbum, fortalecendo a ideia de um regresso oficial. De seguida voltamos a ver uma previsão do concerto, com o público, desta vez com os 4 artistas em palco: Anni-Frid Lyngstad e Agnetha Fältskog a cantar com um microfone, a primeira vestida de vermelho e a segunda de azul (com fatos, cores e brilho que remontam ao vestuário pop dos anos 70), Björn Ulvaeus e Benny Andersson, o primeiro a tocar guitarra e o segundo a tocar piano, sendo que Björn Ulvaeus está vestido também com roupa alusiva aos anos 70, com tons de branco e vermelho brilhante. Estes poucos segundos dão-nos, mais uma vez, uma previsão de como será o concerto mas desta vez com a banda completa em palco, jovem, a atuar e a tocar, reforçando a ideia de realismo, vitalidade e intemporalidade associada a este concerto digital dos ABBA. Nos curtos segundos seguintes aparece muito de repente em frase num fundo preto “A concert 40 years in the making” em letras brancas. Contrastando com o fundo preto, as letras brancas chamam a atenção para a frase. Na verdade o concerto em questão não demorou 40 anos a ser feito, a ideia aqui explorada é de que este concerto trata-se do longo esperado regresso dos artistas após 4 décadas para uma experiência que permite compensar esses anos de ausência dos artistas e que preenche o vazio dos fãs. Portanto, não se trata de um concerto que demorou 40 anos a ser construído em termos práticos, mas sim em termos temporais, especialmente considerando a separação dos artistas durante esse tempo, agora novamente unidos no novo álbum. Já perto do fim do trailer, em fundo preto, aparece novamente o logotipo oficial do concerto no topo do fundo em letras amarelas, e no centro do fundo, em destaque, a informação “New dates just released; Get your tickets now”. A referência ao “agora” (now) reforça a ideia de que os fãs poderão já preparar-se para o concerto e garantirem um lugar. No mesmo frame, no fundo em baixo, aparece a referência do site do concerto, em letras amarelas, terminando assim o trailer. Ao longo do trailer podemos ouvir partes da melodia da música Gimme! Gimme! Gimme!
Com a conjugação de elementos novos (tecnologia e formato digital com hologramas num concerto) e velhos (música e os artistas na década de 70, de um tempo que passou) cria-se uma nova conceção de apreciação de cultura, que se torna mais intemporal, mas sem perder a essência que a tornou popular em primeiro lugar.

Leitura do ADN Cool: É importante compreender este objeto como relevante, icónico e mediático, tratando-se de uma famosa e icónica banda pop dos anos 70 que marcou uma época, atravessou gerações e regressa após 40 anos, introduzindo um novo elemento. É também um acontecimento viral, esperando-se a antecipação e anseio dos fãs e seguidores dos ABBA pelo seu regresso e concerto virtual, podendo reviver ao passado com os artistas suecos. O longo tempo de hiatus da banda também contribui para que este objeto se torne viral. O facto de o concerto ser digital e apresentar os artistas como hologramas é outro impulsionador da popularização deste concerto. Trata-se de um concerto que decorrerá em 2022, na primavera em Londres, é um regresso ao passado com a conjugação de elementos novos e modernos que demonstram a aplicação da tecnologia e inovação do ano em que estreia o concerto. Por isso, não só é atual como instiga à curiosidade de ver os artistas num formato novo e moderno, acompanhando assim os tempos e chegando às novas gerações. É também um objeto irreverente, que arrisca regressar num formato novo, juntado tecnologia digital a um conceito de regresso ao passado. Não é portanto um regresso total ao passado, não se trata completamente de reviver, mas também de renascer, permitindo os fãs terem uma nova experiência com os artistas sem descurar o sucesso do passado.

Estilos de Vida e Tribos Urbanas: o regresso dos ABBA não podia melhor combinar a ideia de consumo e lazer. Durante os 40 anos de pausa a música dos artistas era apreciada como um objeto acabado e do passado, o que mudou significativamente com a criação da peça musical e do filme “Mamma Mia!” inspirado nas músicas da banda. Mas este novo concerto digital introduz uma nova ideia de consumo associado ao lazer, trata-se de um consumo de um objeto artístico que poderá ser intemporal, atravessando gerações e a morte dos artistas com a introdução de um formato digital no qual os artistas não estão fisicamente presentes mas estão-no na medida em que os gestos, voz e movimentos dos mesmos são captados em animação 3D. Ou seja, os ABBA  não são apenas um produto de nostalgia.


Insights e Tendências Socioculturais: a importância da longevidade e da permanência no tempo no auge da nossa idade em termos físicos mas também profissionais, sociais, etc, é muito relevante para este objeto. Não importa apenas viver durante muitos anos, trata-se de viver e permanecer enquanto indivíduo útil e apreciável. É uma questão de identidade e de autoconsciência. Importa ainda notar outro elemento, a proliferação do digital e da tecnologia, associada a todos os elementos do nosso dia-a-dia, inclusive da arte e da cultura. Esta inovação abre novos caminhos: o de poder regressar ao passado num concerto virtual, prolongado o tempo de vida musical dos músicos; e o de uma previsão quase futurística de como serão potencialmente as relações humanas, à distância mas próximas através da tecnologia, colocando as pessoas frente a frente, entre o humano físico e o humano digital.

Referências bibliográficas
Barker C. Cultural Studies: Theory and Practice. Sage; 2016.
Edgar A, Sedgwick PR. Key Concepts in Cultural Theory. Routledge; 1999.
Hall S. Representation – Cultural Representations and Signifying Practices. Sage Publ; 1997.
Wimmer RD, Dominick JR. Mass Media Research an Introduction. Andover] Wadsworth, Cengage Learning; 2014.

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Processo de análise:
Gomes, Nelson P. e William A. Cantú (2021). “Cultural Mediations Between Branding and Lifestyles: A Case Study Based Model for the Articulation of Cultural Strategies and Urban Tribes” in R. Goonetilleke et al. (eds.) Advances in Physical, Social & Occupational Ergonomics. Switzerland: Springer.

Outras referências a considerar
Gomes, N.P., C.A. Lopes, W.A. Cantú, G. Prado (2021). “Análise Estratégica de Tendências Socioculturais: uma triangulação de métodos científicos” in DAT Journal, v.6, nº1, 213-228.
Holt, D., Cameron, D. (2010): Cultural Strategy – Using Innovative Ideologies to Build Breakthrough Brands. Oxford: Oxford Press.
Dragt, E. (2018). How to Research Trends: Workbook. BIS Publishers, Amsterdam.
Rohde, C. (2011). “Serious Trendwatching”. Fontys University of Applied Sciences and Science of the Time, Tilburg.
Barthes, R. (1986). Elements of Semiology. Hill and Wand, New York.
Barthes, R.(1991). Mythologies. Noonday, New York.
Cova,B., Cova,V.(2002). “Tribal Marketing: The tribalization of society and its impact on the conduct of marketing” in Eur. J. Mark., 36(5/6), 595–620.


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